A segunda vida de António Costa

Aposto um almoço: António Costa está para durar.

A morte política de António Costa é manifestamente exagerada – ele pode ter tido muito mais sorte na noite das eleições do que aquilo que parecia à primeira vista. PSD e CDS-PP ganharam votos suficientes para formar governo mas não os votos suficientes para dispensar o PS. Bloco e CDU ganharam votos suficientes para endurecer o discurso mas nada podem fazer sem o aval dos socialistas.

E estas posições podem muito bem permitir a um António Costa habilidoso aparecer como o fiel da balança da próxima legislatura, votando à direita quando tem de ser e à esquerda quando lhe apetece; colocando o fatinho pró-europeu para ir a Bruxelas com o PSD e com o CDS-PP, e a samarra anti-austeridade para se compungir ao lado do trabalhador arfante com o Bloco e com o PCP.

Há piores empregos políticos. A bola não é de António Costa, mas é possível que ainda o vejamos armado em distribuidor de jogo, tipo número 10 do regime. Com a direita encostada à parede dos 38,5% e uma esquerda anabolizada e semi-desvairada, Costa é indispensável à governabilidade do país. Mais do que isso: no actual estado do PS, com cada vez mais militantes destacados a acharem que o socialista ideal é produto de uma noite de amor proletário entre Yannis Varoufakis e Catarina Martins, o melhor para o país é António Costa continuar à frente do PS. Ele é suficientemente ideológico para evitar que o partido caia em extremismos, e suficientemente pragmático para negociar compromissos com a coligação. A direita que está desertinha por o ver pelas costas devia pensar duas vezes.

É certo que o ideal seria a substituição de Costa por um socialista da ala direita do partido, que permitisse construir um Bloco Central com PSD e CDS-PP. A meu ver, essa seria a única forma de produzir um governo reformador, capaz de ajustar o país às exigências da moeda única e do inverno demográfico. Mas este meu desejo tem um problema grave: não vai acontecer. Com a gritaria que tomou conta do PS e os delírios revolucionários ao estilo Ana Gomes, que no domingo conseguiu chamar “talibãs ultraliberais” aos vencedores das eleições, o mais provável era António Costa ser substituído por um militante socialista bem mais radical e bem menos inteligente do que ele.

Qual milagre das rosas, o resultado das eleições serve à campanha falhada de António Costa. Ele prometeu tudo a ambos os lados, e agora pode satisfazer ambos os lados aos bocadinhos – coisa que dificilmente poderia fazer caso tivesse ganho as eleições. Sendo a bancada do PS inferior à do PSD, não há forma de o próximo primeiro-ministro ser outro que não Passos Coelho – e portanto Costa não fica com o odioso de ter de ensaiar um golpe de secretaria –; mas tendo o Bloco obtido um resultado extraordinário (dos 700.000 votos perdidos pela coligação, 180.000 foram para o PS e 260.000 para o Bloco), Costa pode aparecer à direita como o porteiro do regime, mantendo do lado de fora a esquerda radical nos seus momentos de delirium tremens.

Centenas de milhares de ex-votantes da direita a saltar à vara por cima do PS e a aterrar directamente no regaço do Bloco seria apenas uma péssima notícia não fosse este detalhe: provou que Costa estava certo em não querer desguardar a sua esquerda, justificando assim parte da sua campanha. Paradoxalmente, é essa grande derrota à esquerda que o torna agora numa figura fundamental para a direita. Aposto um almoço: António Costa está para durar.

 

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