Catalunha 27-S

É importante que a Catalunha possa decidir o seu futuro.

Está em curso um processo social e político histórico na Catalunha. Um processo que pode mudar Espanha e que terá inevitavelmente um impacto na história da União Europeia. As eleições para o Parlamento da Catalunha realizadas no passado dia 27 de Setembro foram mais uma etapa desse processo.

A maioria das forças políticas encarou estas eleições como um plebiscito à independência. A participação superou as expectativas e alcançou o recorde histórico de 77,44%. As candidaturas “Junts Pel Sí” e Candidatura Unidade Popular (CUP) que defendiam o início de um processo de independência unilateral obtiveram maioria absoluta de deputados (72 em 135) e uma percentagem de votos de 39,54% e 8,2% respectivamente, 47,74% no total. As candidaturas contra a independência obtiveram um total de 39,17%. Neste grupo inserem-se o Partido Socialista Catalão (PSC) com 12,74% (16 deputados) que defende a reforma da actual Constituição Espanhola no sentido federal, os “Cidadãos” (C’s) com 17,93% (25 deputados) e o Partido Popular (PP) com 8,5% (11 deputados) que se apresentam como defensores da actual Constituição. Existem ainda as forças políticas que defendem um referendo de auto-determinação acordado com o Estado Espanhol, o “Catalunya Sí que es Pot” apoiado pelo Podemos com 8,94% de votos (11 deputados) é o exemplo mais notório. Cabe aqui realçar que vários órgãos de comunicação social espanhóis estão a incluir estes votos no campo do “Não” à independência. No entanto esta análise não é totalmente correcta uma vez que existem potenciais votantes do “Sim” neste grupo de eleitores. Outro dado relevante nestes resultados é que dada a expressiva participação verificou-se que há também pluralidade de posições entre os tradicionais abstencionistas. Pensava-se que uma participação elevada dos silenciosos poderia impedir a maioria absoluta de deputados a favor da independência. Naturalmente o instrumento ideal para avaliar o apoio à independência seria um referendo mas como sabemos o Estado Espanhol não tem permitido que se realize. Além disso há toda uma campanha para desacreditar o movimento pela independência e um discurso de dramatização do lado “espanhol” que prejudica um debate que podia ser mais sereno e racional. O governo espanhol critica os independentistas por quererem criar fronteiras e retirar a nacionalidade espanhola aos catalães. Os independentistas dizem que não querem criar fronteiras até porque a Catalunha quer continuar a ser parte da União Europeia e não querem retirar a nacionalidade espanhola aos catalães, até porque a lei espanhola o não permite. Na República Catalã os cidadãos teriam a possibilidade de escolher se ficam apenas com a nacionalidade catalã, a dupla nacionalidade catalã e espanhola, ou apenas espanhola. O governo espanhol em resposta garante que a Catalunha independente fica fora da União Europeia e que os catalães ficam sem a nacionalidade espanhola.

Escrevo desde Barcelona, onde tive a oportunidade de assistir a eventos políticos, ler a imprensa (espanhola e catalã) e falar com as pessoas. O apoio à independência tem crescido bastante e há de facto visões dominantes na sociedade catalã e na sociedade espanhola em geral distintas. Segundo a visão dominante na Catalunha, com a qual concordo, há razões históricas, culturais e políticas que justificam o direito à auto-determinação. Os catalães constituem uma antiga nação que quer decidir o seu futuro. Muitos aspiram a que a Catalunha tenha o seu próprio Estado. Estão mobilizados em torno de um projecto de futuro, que querem inclusivo e aberto ao Mundo. Os que temem e classificam esta ambição de “egoísmo nacionalista” não devem esquecer que foram os nacionalismos expansionistas e dominadores, os projectos imperiais que em geral causaram sofrimentos e guerras. A língua catalã que foi proibida e perseguida no passado pelo nacionalismo espanhol não é hoje em dia sequer língua oficial da União Europeia. A diversidade cultural e política é uma mais valia que merece ser promovida e valorizada.

É importante que a Catalunha possa decidir o seu futuro. Não menosprezem a força transformadora e inspiradora que este processo democrático e pacífico tem. Caso seja essa a vontade maioritária dos catalães apoiemos a construção de um novo Estado, de um novo país. Espanha pode também beneficiar e transformar-se. A Escandinávia tem vários Estados e não deixa de ser uma das zonas mais prósperas do Mundo. Não tenham medo da mudança, nem da democracia. Quem sabe no futuro em vez de analisarmos as causas da decadência dos povos peninsulares (ibéricos) como fez Antero de Quental em 1871 estaremos a analisar as causas do seu renascimento e florescimento. E a Catalunha terá um papel de relevo. Cooperando em liberdade, igualdade e fraternidade, seremos mais fortes.

Investigador na Universidade de Lisboa, Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais

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