Quem está a ganhar com esta privatização da TAP?

“Não lançaremos a privatização a poucos meses das eleições legislativas.” Palavra de Pires de Lima. Uma promessa feita ao jornal Expresso no dia 19 de Julho de 2014, a propósito da venda da TAP. Estamos a poucos meses das eleições, até já se conhecem os programas eleitorais, e o Governo está a privatizar a TAP. Usando uma expressão do próprio ministro da Economia, o Governo já deu “corda aos sapatos” e nada parece travar a intenção de vender a TAP, custe o custar. Mesmo que não custe nada. Mesmo que a companhia de bandeira nacional seja vendida por um vintém.

A pressão e a dramatização que colocou na venda da TAP é tal que o Governo deixou pouca ou nenhuma margem de recuo para abortar a operação, mesmo que as propostas de Germán Efromovich e de David Neeleman sejam más e lesivas para o interesse do Estado. Mesmo que a credibilidade de alguns dos candidatos deixe muito a desejar. Há uma pressão enorme para vender a empresa antes da viragem do ciclo político. São escritórios de advogados, são consultores, são facilitadores de negócios, todos de mão estendida à espera dos honorários, das comissões, das avenças e dos success fee. O failure fee, se o negócio for ruinoso para o Estado, ficará para os contribuintes. Até há comentadores que opinam semanalmente sobre o negócio na TAP, e os escritórios onde trabalham estão ligados aos candidatos à compra.

Claro que há interesses à volta do negócio que só conheceremos daqui a uns anos; outros de que nem daremos conta. Já agora, o que é feito da indignação dos socialistas que, em 2012, exigiam que Passos Coelho esclarecesse todas as ligações de Miguel Relvas à privatização da TAP? Na altura, Rui Paulo Figueiredo, do PS, constatava: "Hoje conhecemos as relações de promiscuidade entre o ministro Miguel Relvas e o potencial adquirente da TAP, Germán Efromovich, e vários escritórios de advogados e de consultoria brasileiros e portugueses." Ficou tudo esclarecido, senhor deputado Rui Paulo Figueiredo?

Passos Coelho diz que receia que, sem privatização, a TAP se torne "uma tapezinha". A TAP não precisa de ser uma "tapezona"; precisa de fazer os voos para a Madeira, Açores e para onde haja comunidades relevantes de emigrantes portugueses. E fazer as rotas que forem financeiramente rentáveis. A última empresa com tiques de megalomania foi a Portugal Telecom, que num ápice passou a ser uma pêtêzinha. Esta semana, a PT SGPS passou a chamar-se PHarol e a PT Portugal passou a filial de uma empresa de telecomunicações francesa. Se calhar vai ser retalhada e vendida a granel.

Aliás, a PT e a TAP têm muito em comum. São marcas acarinhadas pelos portugueses e sempre estiveram no top 10 das mais valiosas. A primeira foi um case study a nível mundial em termos de inovação, e a segunda carrega a bandeira de ser uma das mais seguras do mundo. Em comum também têm o facto de ambas terem feito investimentos ruinosos que desequilibraram as contas; Zeinal Bava e Henrique Granadeiro da PT investiram 900 milhões em papel comercial do Grupo Espírito Santo, e Fernando Pinto fez um investimento ruinoso ao comprar uma empresa de manutenção no Brasil que ainda hoje impede a companhia de ter lucros. Sendo que ambos os negócios estão a ser investigados pela Procuradoria-Geral da República.

Em ambos os casos, as companhias foram entregues de bandeja a investidores brasileiros: a PT foi parar às mãos da Oi, que a despachou na primeira oportunidade para reduzir a dívida, e a TAP será “oferecida” a Germán Efromovich ou a David Neeleman, ambos com passaporte brasileiro. A PT acabou como acabou e a TAP cá estaremos para contar o resto da história.

Germán Efromovich há dois anos ganhou a privatização da TAP. Assumiu o compromisso de pagar 35 milhões de euros ao Estado, injectar 300 milhões na empresa e assumir dívida de mais de mil milhões de euros. Quando chegou a altura de passar o cheque ao Estado, disse que não tinha garantias bancárias. Um mau cartão-de-visita para quem pelos vistos não tinha um grande cartão de crédito. David Neeleman, que já tentou por três vezes colocar a sua empresa em bolsa e falhou, tem passaporte americano e brasileiro e, segundo as leis europeias, não pode comprar mais de 50% do capital da TAP. Como tal, Humberto Pedrosa, presidente da Barraqueiro, é quem aparece como líder do seu consórcio com 50,1% do capital. Esta tentativa pateta e tosca de contornar as regras europeias vai passar? Um destes dois senhores será o futuro dono da TAP.

Se calhar a privatização é a melhor alternativa para a TAP nesta altura, tendo em conta o buraco onde Fernando Pinto meteu a companhia. Mas não deverá ser feita a qualquer preço, vendida a qualquer um e muito menos à pressa só para encher os bolsos dos facilitadores de negócios e escritórios de advogados. É caso para perguntar: se o país não está a ganhar dinheiro com a privatização da TAP, quem estará?

Mesmo que a privatização falhe, não será o fim do mundo. Não seria a primeira vez. Seria a terceira. Se Fernando Pinto está a implementar um plano de reestruturação para recuperar os prejuízos provocados pela greve dos pilotos, também pode fazer um outro para recuperar os prejuízos que ele próprio provocou na TAP. E se tiver de despedir alguém, que ele seja o primeiro da lista.

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