“O obeso não é só alguém indisciplinado, esse preconceito tem de mudar”

Três perguntas ao presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia da Obesidade, Rui Ribeiro.

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Rui Ribeiro: “Muitos obesos ainda nem sequer constam da lista de inscritos para cirurgia” Miguel Manso

Existem regras para definir quando chegou o momento de encaminhar uma pessoa com obesidade para uma cirurgia. No entanto, o presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia da Obesidade assegura que a vontade do doente é determinante. Rui Ribeiro salienta que estas intervenções são cada vez mais eficazes, sobretudo o bypass gástrico, e que o preço é largamente compensado pelos ganhos em saúde. O cirurgião entende, por isso, que é fundamental que o país volte a ter um Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade, a par de programas que promovam estilos de vida saudáveis.

Perante um obeso, quando é que se determina que nada mais é possível e que a solução passa pela cirurgia?
Diria que, em primeiro lugar, é quando o doente quer perder peso e tem doenças muito graves que quer controlar. Esse é o grande critério, embora existam de facto regras, como o doente ter um índice de massa corporal (IMC) superior a 40, a que chamamos obesidade mórbida, porque causa morbilidade, isto é, outras doenças associadas, como diabetes, colesterol e hipertensão. Também se recomenda a doentes com IMC acima de 35, desde que tenham duas doenças que vão melhorar significativamente com a cirurgia. Há ainda limite de idade, entre os 18 e os 65 anos. Isto é o que está nas normas portuguesas. Mas a nível internacional existem guidelines em que mesmo os doentes com IMC entre 30 a 35, se tiverem doenças mal controladas, podem ser candidatos a cirurgias deste tipo e também os diabéticos de tipo 2 ou pessoas acima dos 65 anos, desde que a condição do doente o permita.

Faz sentido voltar a ter o Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade, extinto em 2012?
Com certeza. Os gastos da sociedade com a obesidade e com doenças associadas, como a diabetes, a hipertensão e alguns cancros, são enormes. Sabemos que os obesos têm mais cancros, nomeadamente as mulheres, com uma incidência 2,5 vezes superior à população com peso normal, sobretudo de cancro da mama, do ovário e do endométrio – os cancros ligados às hormonas. É uma cirurgia muito eficaz do ponto de vista sócio-económico: poupa-se muito dinheiro ao Estado, às pessoas e à sociedade. Temos de criar uma rede de centros de referência, porque quanto mais casos tratarmos melhor fazemos e com menos complicações. Era preferível ter seis centros a operar 500 doentes cada do que termos 30 a tratar um número mais pequeno. Pouparíamos recursos e teríamos melhores resultados, até porque há sítios com listas de espera de três anos.

Há várias técnicas, sendo o bypass gástrico a que tem agora melhores resultados. O que muda com esta intervenção para garantir o sucesso?
O segredo está nas hormonas da fome e da saciedade que alteramos profundamente com a redução do estômago e do intestino. A obesidade é uma doença genética, ainda que com uma componente ligada à educação e ao meio ambiente. A genética é muito importante, estes doentes têm uma fome mais forte e compulsiva e não têm saciedade também porque o intestino é mais longo. Da mesma forma que os diabéticos têm uma resistência à insulina, os obesos têm uma resistência a uma hormona que é a leptina. Infelizmente o obeso não é só alguém indisciplinado e esse é um preconceito que tem de mudar.

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