“Lisboa é uma cidade construída para carros e não para pessoas”

Três perguntas a Anders Lie, especialista da Trafikverket - Administração de Transportes da Suécia.

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A alteração do funcionamento dos semáforos é uma das sugestões do sueco Pedro Cunha

Para Anders Lie, especialista sueco em segurança rodoviária da Trafikverket (Administração de Transportes da Suécia), a estratégia do seu país para a redução do número de mortos e feridos na estrada, esplanada no programa Visão Zero, passou sobretudo por “alteração profunda de filosofia”. Pela primeira vez em Portugal, o consultor do programa garante ao PÚBLICO que as primeiras impressões de Lisboa mostram logo que há muito a fazer para deixar de ver o carro como “rei”. “Na Suécia o peão nunca estaria parado na passadeira à espera por o semáforo estar verde para os carros e não haver sequer um veículo a passar”, exemplifica.

Em que consiste o programa Visão Zero criado em 1997 na Suécia?
O Visão Zero é uma nova forma conceptual de melhorar a segurança rodoviária com o mote de que ninguém deve morrer ou ficar ferido com gravidade na sequência de um acidente na estrada. Daí advêm ideias, estratégias e produtos direccionados para o tráfego, mas é sobretudo uma nova filosofia de segurança – mais do que medidas concretas.

O que mudou com este programa?
A primeira mudança foi pararmos de medir os acidentes e passarmos a analisar verdadeiramente as razões dos mesmos. Ao mudarmos a forma como fazíamos o follow-up mudámos aquilo em que nos focámos. Olhámos para todas as vias e reduzimos muito a velocidade máxima permitida, para 30 quilómetros por hora, nas zonas em que se cruzavam sobretudo carros, bicicletas e peões. Temos várias vias que não são auto-estradas, mas que são vias-rápidas e em todas elas passou a haver uma separação central que reduziu em 90% o número de mortos. Temos muitas câmaras nas estradas que controlam a velocidade. Não as usamos apenas para apanhar os condutores que excedem os limites. Colocamos as câmaras à vista para observar uma mudança nos comportamentos, porque sabemos que a velocidade é uma chave para a segurança.

Referiu na conferência que Portugal tem feito um bom trabalho na redução da sinistralidade nos últimos anos mas que há muito a fazer. Que primeiras impressões tem do país?
Há coisas muito óbvias que se percebem pouco depois de aterrar em Portugal. Lisboa é claramente uma cidade construída para os carros e não para as pessoas. Isso vê-se, por exemplo, no perfil de velocidade dos condutores, mas também na forma como priorizam as intersecções entre os carros e os peões nas passadeiras. Há muito a fazer para conjugar a existência de carros, peões e bicicletas. Na Suécia o peão nunca estaria parado na passadeira à espera por o semáforo estar verde para os carros e não haver sequer um veículo a passar e eu vi isso aqui. Não faz sentido o semáforo continuar verde quando não há carros a passar. É preciso definir claramente as zonas onde os carros podem ser eficientes e acelerar e aquelas zonas que são mistas e em que as regras têm de ser outras. Para isso, é fundamental baixar a velocidade nas cidades para menos de 40 ou de 50 quilómetros por hora. A essa velocidade não é possível uma boa interacção entre o carro e a bicicleta ou o carro e o peão e os estudos mostram que a 30 quilómetros por hora os condutores param naturalmente mais vezes para deixar um peão passar. O carro não é um rei, é mais um meio de transporte como os outros.

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