O espelho de João Louro na Bienal de Veneza

O artista português faz um percurso da sua carreira no Palácio Loredan. Obras novas de séries antigas. Direcção das Artes não esclareceu o processo de selecção dos artistas nacionais para Veneza.

João Louro ao centro com María de Corral e o secretário de Estado da Cultura
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João Louro ao centro com María de Corral e o secretário de Estado da Cultura Daniel Rocha
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A conferência de imprensa aconteceu na biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda Daniel Rocha
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João Louro Daniel Rocha
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Daniel Rocha

Imagens negras à espera que a nossa imaginação as preencha, sinais de trânsito que nos levam a destinos literários. João Louro chama-lhes Blind Images e Dead Ends. Estes trabalhos dão continuidade a séries antigas que lhe trouxeram reconhecimento. O artista vai apresentá-los na Bienal de Veneza, no Palácio Loredan, “a melhor localização possível”, como foi anunciado na quarta-feira, em conferência de imprensa na biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. Serão mais de uma dezena de obras novas. João Louro olha para o passado para nos pôr a pensar no presente e a reflectir no futuro.

Começa-se a levantar o véu sobre a representação oficial de Portugal na 56.ª edição da Bienal de Veneza, que acontece de 9 de Maio a 22 de Novembro: João Louro apresentou o projecto a que chamou I Will Be Your Mirror – poems and problems, inspirando-se na canção dos Velvet Underground com o mesmo nome. Não será Louro o espelho mas sim o seu trabalho: uma obra aberta que varia de pessoa para pessoa. O que um vê não é necessariamente o que o outro vê. Uma obra que ganha dimensão no espectador.

“O João Louro utiliza todos os elementos que estamos acostumados a ver, como a sinalização das estradas, as fotografias, as imagens, os livros. Mas nunca os utiliza como são na realidade, converte-os para nos fazer pensar que são outros elementos que têm outras possibilidades”, diz aos jornalistas no final da conferência de imprensa María de Corral, a curadora escolhida para comissariar a representação portuguesa. “Isso é algo que me parece fundamental porque obriga sempre o espectador a pensar, a ver onde se encontra, o que está a enfrentar”, continua a comissária espanhola com quem o artista já trabalhou em Veneza em 2005, quando foi um dos convidados para a colectiva A Experiência da Arte, que Corral comissariou na bienal.

Em Veneza, comissária e artista querem “olhar o passado para representar o futuro”, de acordo com o tema central de toda a bienal e que foi escolhido pelo curador e escritor nigeriano Okwui Enwezor, o director artístico da edição deste ano do evento, que tem como título All the World's Futures (Todos os futuros do mundo).

“A arte é sempre uma intervenção de entendimento do mundo como ele está. Como artista, o que faço é sentir o sinal dos tempos. Há temas suficientes para serem usados”, conta João Louro, explicando que em Veneza vai apresentar novas Blind Images, onde superfícies negras surgem acompanhadas de legendas que remetem para imagens que foram omitidas, Dead Ends, painéis de auto-estrada que nos levam por exemplo a Maquiavel, e Covers, pinturas em grande formato representando capas de livros célebres como Ulysses de James Joyce.

Estas são as suas linhas de trabalho mais fortes. “Continuo a explorá-las quando faz sentido”, diz. “Vamos ter outras obras pelo meio, mas eu diria que é um percurso que vai desde a fotografia até ao objecto, passando pelas Blind Images e os Dead Ends".

De novo vai ser quase tudo. Apenas dois trabalhos não são novos, embora um deles nunca tenha sido visto antes. “Por coincidência, quando vi a conferência do director da Bienal, vi que ele falou de Walter Benjamim e eu tinha um trabalho de Walter Benjamim muito antigo. É uma fotografia que vai estar no princípio do percurso. Portanto a primeira e última obra já existiam.”

Tudo o resto só foi pensado depois de encontrado o local em Veneza que vai receber a sua obra. A base portuguesa vai ser um histórico palácio veneziano do século XVI, conhecido como o Palácio Loredan, mesmo no centro de Veneza. “Já lá fui com a María por duas vezes, olhámos para aquilo de uma forma completamente virgem e a partir daí começámos a pensar em ideias. O espaço é superdeterminante. As coisas têm de encaixar como uma luva”, conta o artista, para quem foi encontrada “a solução mais inteligente e a mais elegante”.

“O palácio é uma maravilha”, afirma María de Corral, explicando que as obras de João Louro ficarão divididas por seis salas da biblioteca que ocupa o primeiro piso do palácio que é hoje a sede do Instituto Veneziano de Ciências, Letras e Artes junto ao Campo Santo Stefano e ao rio S. Vidal. “Acho que o pavilhão português está muito bem localizado, não podia estar melhor, está no eixo principal.”

O secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, destaca o “espaço óptimo” do palácio, mas defende que Portugal devia ponderar “uma situação mais estável para o futuro”. “Portugal tem infelizmente uma situação precária em Veneza”, diz Barreto Xavier, sobre o facto de não existir uma base para a representação portuguesa e todas as edições ter de se procurar uma solução. Há dois anos, o pavilhão português foi o cacilheiro de Joana Vasconcelos. “Soubemos fazer de uma desvantagem uma vantagem que é nos últimos anos encontrar soluções de geometria variável que têm funcionado, mas também quero dizer que não acho que seja a melhor solução, acho que era bom para Portugal ter um espaço permanente”, continua, admitindo que não é possível neste momento comprar um espaço. “Custam à volta de um milhão de euros para ter uma dimensão de 600 metros quadrados e por isso estamos a falar de situações que são difíceis de articular neste momento.”

Apesar disso, Barreto Xavier está contente com a solução deste ano. Não só com a escolha do local como com a dupla João Louro/María de Corral. “Vai ser um discurso artístico contemporâneo que vai colocar Portugal mais uma vez numa posição relevante, também com uma comissária referencial e que já foi ela própria curadora geral da Bienal de Veneza [com Rosa Martínez]”, diz. Além de conhecer a obra de João Louro, a comissária é “uma figura central no sistema artístico internacional”. “Essa rede à qual pertence pode também para a promoção da arte contemporânea portuguesa.”

Do Estado, João Louro contará com a participação de 150 mil euros, um valor abaixo daquele que é preciso. “Alugar um palácio daquela dimensão durante sete meses não é propriamente uma coisa barata, mais todo o staff, os guardas de sala, segurança. Há uma série de coisas que em Veneza são caríssimas. 150 mil euros não chegam para fazermos esta operação, daí a necessidade de recorrer a apoios exteriores”, explica o artista, escusando-se a revelar o orçamento previsto para toda a obra. João Louro conta com o patrocínio da Fundação EDP e o apoio Fundação Millennium BCP e da Prado – Cartolinas da Lousã. “Conseguimos aqui uma solução de colaboração que vai permitir uma representação que vai ser muito relevante no contexto da bienal”, diz Barreto Xavier.

Por esclarecer ficaram ainda alguns pormenores do processo da escolha do artista. Questionado pelo PÚBLICO, João Louro revelou ter enviado um dossier à Secretaria de Estado da Cultura e à Direcção-Geral das Artes (DGArtes), responsável pela representação portuguesa em Veneza. “Apresentei um currículo, lancei-me para a frente. Acho que muita gente o fez e eu fui mais um dos que fez”, conta. “Por algum motivo a minha proposta, o meu currículo, as minhas obras foram escolhidas em detrimento das outras e portanto é um processo muito simples.” Já depois da conferência de imprensa, a DGArtes esclareceu por email que "são remetidas à DGArtes com regularidade candidaturas espontâneas de artistas visuais, e muitos outros criadores, que para representações oficiais, quer para exposições, residências artísticas e outros pedidos de apoio".

O PÚBLICO questionou ainda a DGArtes sobre o número de artistas que terão apresentado propostas para a bienal de Veneza este ano, que se limitou a responder. "Ao longo dos anos temos recebido alguns artistas a autoproporem-se para Veneza. Um número pouco significativo."

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