O não claro é sim

A ironia juntamente com o irmão (o sentido de humor) são as maldições sem as quais todos os portugueses nascem abençoados.

Aprende-se muito sobre uma pessoa ou um povo quando se descobre o que lhes dá prazer. O exercício contrário – apurar como os enfurecer – é mais divertido e dá menos trabalh,o mas aprende-se menos.

Chatear um português nunca será muito diferente de chatear um ser humano. Mas dar-lhe um prazer particular – que outros povos não sentem – é acertar em cheio.

Quando se faz a um inglês ou a um americano uma pergunta cuja resposta é óbvia ("E ele aceitou os cem mil euros que ganhou?"), ele ou ela surpreende-se com a nossa estupidez e responde "of course" ou "what do you think?")

Eles ficam embarrassed com a nossa pergunta obtusa. Os portugueses, não. Deliram, tal é a alegria. Para nós, não há separação: há comunidade.

Pergunta-se (mesmo sinceramente) a um português: "E ele comeu os lagostins que lhe trouxeram ao preço das navalheiras?"

E ele responde, com êxtase empático: "Não! Chama-lhe parvo..."

O "não" é a ironia forçada e violenta dos portugueses que, por ser trocista, nem sequer tem direito a passar por sarcástico; muito menos irónico. A ironia juntamente com o irmão (o sentido de humor) são as maldições sem as quais todos os portugueses nascem abençoados.

O "chama-lhe parvo!" é a alegria de reconhecermos, em conjunto, que todos nós, por pouco oportunistas que sejamos, sabemos o que nos convém.

O prazer dos portugueses de responder "Não! Chama-lhe parvo!" é o raro prazer ontológico de dizer "Sim: é mesmo assim!"

Apesar de não sermos assim.

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