O falhanço

Há cerca de um ano convidei um amigo para dissertar sobre o seu trajecto profissional numa aula. Aos meus olhos o seu percurso era de sucesso. Tem obra. Viajou por todo o mundo. É legitimado pelos seus pares. Alcançou reconhecimento.

Mas eis que ele me deu a volta. Estava a passar por um período de reavaliação da sua vida profissional e começou por dizer que existia imensa coisa que se arrependia e que se pudesse voltar atrás refazia. Mais: afirmou que já havia sido ridículo e sobranceiro muitas vezes em termos profissionais.

Mas a machada final aconteceu quando declarou que, quando olhava retrospectivamente, achava o seu percurso falhado. Disse-o não por ironia. Ou por visão metafísica. Falhado, mesmo. Fez-se silêncio na aula. E lá continuou ele, sem que o pudesse parar, criticando o sistema de ensino, ele, que fora aluno de vintes, o modelo a seguir, o que todos queriam ser.

Na sua visão os professores, e o sistema de ensino, não permitem hoje o erro aos alunos. Querem colocá-los no caminho certo. Não há espaço para o falhanço.

A imperfeição humaniza-nos, dizia ele. Mas não só. Quando não há espaço para o erro, as experiências com o pensamento são penosas. Os horizontes não se ampliam. Segue-se os passos que são delimitados pelo professor e, nesse caso, atinge-se o objectivo previamente proposto. É isso que acaba por ser valorizado. Quem experimenta, acaba por se desviar do que é pretendido e, por norma, é relegado para um canto.

Não se trata de ensaiar sem método, sem disciplina, sem conhecimento. Nem se trata de inovar a partir do nada, mas do caos. Trata-se de produzir novas formas com significado.

Na sua óptica, se um professor abrir hipóteses ao erro, incentivando até alguns alunos com boas notas por se terem desviado da rota por ele pré-definida, eis o que poderá fazer com que não tenham receio de falhar de uma forma cada vez mais significativa. É a partir daí que poderá surgir a análise. O pensamento mais reflexivo. A possibilidade da descoberta.

E rematou: não renuncio o que fiz até agora. Sou a soma das minhas escolhas e desistências. Mas a maior parte do que fiz fi-lo com medo de falhar. Fiz o que era esperado. Só recentemente fui perdendo o receio de errar e a conviver com a dúvida.

É óptimo, dizia ele, quando acreditamos em algo e nos pomos a caminho, tentando erguer novas ideias. Sempre que o fazemos desiludimo-nos inevitavelmente, porque nunca se alcança tudo o que idealizáramos, mas se não o ousássemos o mundo à nossa volta, e o nosso mundo também, seria mais estéril.

Cada vez mais os alunos vão adiando escolhas porque querem ter seguranças absolutas. Naquele dia alguém lhes foi dizer que tal coisa não existe. A única evidência é a morte física.

O resto, ao longo da vida, são diversas mortes, na forma de frustrações, insucessos e falhanços. Morre-se várias vezes. E quando se compreende que é frequente morrer várias vezes numa única existência perde-se o medo e vai-se recomeçando.

O sucesso, afinal, deve ser isso.

 

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