Novo IRS beneficia quem tem filhos e inclui despesas como vestuário e comida

Governo garante que não são os solteiros quem paga a factura. Alívio fiscal para as famílias com filhos vale 150 milhões de euros. Cada filho e ascendente a cargo vale 0,3 no cálculo do rendimento colectável. Regime de deduções vai mudar.

Paulo Núncio destaca que acordo reforça combate à fraude fiscal
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Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Nuno Ferreira Santos
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Ter em conta os filhos no IRS a pagar todos os meses, sem agravar os impostos dos contribuintes que não têm dependentes. Era este o principal desafio que se colocava na reforma do IRS que esteve a ser preparada nos últimos meses. E foi essa a garantia deixada pelo Governo quando, ao final da tarde desta quinta-feira, divulgou as linhas gerais da reforma aprovada horas antes em Conselho de Ministros, a par do diploma da fiscalidade verde.

O alívio fiscal para as famílias com filhos vale 150 milhões de euros. A proposta de lei prevê a adopção de um quociente familiar para incluir os filhos e os ascendentes a cargo no cálculo que determina o rendimento colectável do agregado familiar, mas deixa cair a proposta da comissão de peritos fiscais para passar a haver deduções fixas.

Haverá um novo regime de deduções que abrange todas as despesas familiares, desde as facturas da água, telefone, às compras de roupa, calçado ou às despesas do supermercado, desde que as facturas sejam emitidas com Número de Identificação Fiscal (NIF). Mas há um limite para as deduções, que não podem ultrapassar os 300 euros por sujeito passivo (600 euros por casal).

O diploma do IRS foi apresentado em pingue-pongue com as medidas da fiscalidade verde - duas reformas cujo impacto orçamental o Governo garante ser neutro, embora não seja claro se as previsões da receita fiscal inscritas no Orçamento do Estado reflectem todas as medidas fiscais agora conhecidas. No Ministério das Finanças, coube ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, explicar as principais alterações no IRS, tendo o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, falado sobre as medidas “verdes”, que garantem encaixe para amortecer a perda de receita associada à reforma do IRS. Ausente esteve a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque.

Veja-se o que vai acontecer às deduções no IRS. Em vez de os contribuintes irem guardando as facturas de educação ou de habitação para indicarem na declaração de IRS quanto é gastaram durante o ano, a dedução será processada em função das facturas emitidas com NIF e comunicadas pelas empresas à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Passa, assim, a haver um regime a que o Governo chama de “dedução das despesas gerais familiares”, em que todas as facturas são tidas em conta.

À colecta do IRS são dedutíveis 40% das despesas realizadas por um agregado familiar, havendo um limite de dedução de 300 euros por cada sujeito passivo.

Só os gastos de saúde são considerados à parte do regime das “despesas gerais familiares”. E também aqui há mudanças. O reembolso por despesas de saúde sobem dos actuais 10% para 15%, crescendo o limite global do reembolso para mil euros, em vez dos actuais 838,44 euros.

No sistema actual, a percentagem deduzida varia consoante a despesa realizada. Há tectos por tipo de despesa (saúde, educação e encargos com imóveis, por exemplo) e, por cima disso, um tecto global. Aí, o limite actualmente em vigor é de 1250 euros para quem tem um rendimento anual entre 7000 e 20 mil euros; está nos mil euros para quem aufere entre 20 mil a 40 mil euros; e fica-se pelos 500 euros para os rendimentos entre os 40 mil e os 80 mil euros; quem tem rendimentos acima deste montante não tem direito a deduções.

A comissão de reforma do IRS tinha proposto que se adoptasse um sistema de deduções fixas à colecta relativas às despesas de saúde, educação e habitação, cujo valor seria igual por sujeito passivo, dependentes e ascendentes. Mas o modelo acabou por não vingar.

Não avançar com as deduções fixas foi “uma opção de fundo”, em que são consideradas “as despesas reais das famílias e não as despesas presumidas”, explicou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Para além do regime para as “despesas gerais familiares” e os gastos de saúde, continuará a haver deduções por filho e por ascendente. Por cada filho, um casal ou uma família monoparental deduz 325 euros, quando actualmente a dedução é de 213,75 euros. No caso dos ascendentes a cargo com rendimentos até à pensão mínima (259,4 euros), a dedução fixa é de 300 euros, contra os actuais 261,25 euros.

Actualmente já há - e vai manter-se - um benefício fiscal para quem pede facturas com Número de Identificação Fiscal (NIF), reembolsando em sede do IRS 15% do IVA suportado nos gastos efectuados em cabeleireiros, restaurantes, hotelaria e oficinas de reparação automóvel. Este incentivo fica fixado um tecto de 250 euros anuais. Para que um contribuinte obtenha todo o crédito fiscal, isto significa reunir em facturas com NIF despesas de cerca de 8900 euros por ano.

As tabelas de retenção, disse Paulo Núncio, “reflectirão necessariamente as medidas” da reforma e as medidas para proteger e reforçar o estatuto das famílias com filhos.

O secretário de Estado prometeu que a reforma “permitirá a muitas famílias pagar menos imposto já a partir de 2015” e assegurou que a introdução destas “medidas de protecção da família” não vão representar uma penalização para quem não tem filhos - uma das dúvidas que foi levantada durante a discussão pública do projecto de reforma da comissão de peritos fiscais.

Simulações da consultora PwC para o PÚBLICO mostram que não há agravamento no IRS para os solteiros sem filhos, depois de aplicadas as várias alterações preconizadas pelo Governo. Veja-se o caso de um contribuinte com um salário de 600 euros por mês (8400 euros anuais). Enquanto este ano o rendimento líquido de IRS é de 7990,83 euros, em 2015 será de 8077,08 euros. Neste caso, o imposto a pagar passa de 409,17 euros para 322,92 euros, uma diferença de 86,25 para o bolso do contribuinte.

Filho ou ascendente vale 0,3
Noutras frentes da reforma, o Governo decidiu seguir as propostas do grupo de trabalho liderado pelo fiscalista Rui Duarte Morais. Passará a haver um novo regime para calcular o rendimento colectável, em que todos os membros de um agregado familiar contam, sejam eles os sujeitos passivos, os filhos ou os ascendentes a cargo. O peso dado a cada um é que é diferente.

Na divisão do rendimento, para além dos sujeitos passivos, cada dependente terá uma ponderação de 0,3 pontos e o mesmo “peso” é dado aos ascendentes a cargo (como os avós), desde que não tenham um rendimento superior à pensão mínima, de 259,4 euros, e que vivam na mesma casa.

Esta ponderação de 0,3 será aplicada em 2015, podendo subir nos dois anos seguintes, se houver margem orçamental. Em 2016, cada filho poderá valer 0,4 e, em 2017, esta ponderação poderá subir para 0,5. Mas só se “a situação económica e financeira do país permitir”, afirmou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Ao aplicar este regime, que representa um desagravamento do IRS, o Governo estabelece um tecto que vai até aos 2000 euros para o benefício que resulta desta aplicação deste quociente familiar. Será este o limite a vigorar no próximo ano, patamar que também poderá crescer nos dois anos seguintes (para 2250 euros em 2016 e para 2500 euros em 2017).

Ao todo, o Governo estima que o impacto orçamental seja de 150 milhões de euros, cerca de metade do valor calculado pela comissão de reforma para a perda de receita implicada pela adopção do quociente familiar. Esta diferença acontece porque o modelo escolhido pelo executivo prevê que o limite da redução da colecta do IRS aumente em função da dimensão da família, explicou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

“São introduzidos limites crescentes tendo em atenção a dimensão do agregado familiar, limites crescentes por filho, que não existiam na proposta da comissão de reforma”, vincou Paulo Núncio.

A redução para um casal com um filho não pode ultrapassar os 600 euros; quando se trata de um agregado com dois filhos, esse tecto sobe para 1250 euros; só quando os agregados familiares têm três ou mais dependentes é que a redução pode ir até aos dois mil euros. Estes são os valores que se aplicam quando um casal opta pela tributação conjunta. Caso os membros de um casal sejam tributados separadamente, estes valores descem para metade. Na informação distribuída aos jornalistas pelo Ministério das Finanças não fica claro se há diferenças de valor quando se trata de uma família monoparental.

Em 2015, serão criados vales sociais de educação  para os filhos até aos 25 anos. A ideia é que as empresas, se assim quiserem, possam pagar uma parte dos vencimentos aos trabalhadores através destes títulos, que não são tributados em sede de IRS. A proposta foi lançada pelo grupo de trabalho de Rui Duarte Morais. Inicialmente previa-se que os vales abrangessem os filhos até aos 18 anos, mas a proposta final estendeu a medida até aos filhos com 25 anos para poder abranger os estudantes universitários.

Aliás, o conceito de dependente vai passar a incluir os filhos até aos 25 anos que vivam com os pais e ainda não tenham rendimentos, podendo assim ser incluídos no quociente familiar. A medida, diz o Governo, pretende abranger as situações de desemprego jovem.

Tributação separada avança
Outra proposta que avança é a possibilidade de os contribuintes casados escolherem ser tributados em conjunto (como é obrigatório actualmente) ou em separado. A regra passa a ser a tributação separada. Se um casal quiser continuar na tributação conjunta, deve indicar essa opção à administração fiscal. Esta foi uma das recomendações que vingou, potenciando a diminuição do número de obrigações declarativas. É que quem optar pela tributação separada passa a ter uma declaração de IRS simplificada e pré-preenchida pelo Fisco. Os contribuintes terão apenas de verificar se as informações preenchidas pela AT estão correctas e validar o documento. A estimativa do Governo é que 1,7 milhões de famílias possam estar abrangidas por esta medida de simplificação.

Ao mesmo tempo, haverá cerca de dois milhões de famílias que não têm de entregar declaração de rendimentos. Ficam dispensados desta obrigação os contribuintes com rendimentos anuais até aos 8500 euros (quem é abrangido pelo mínimo de existência que apenas tenha rendimentos de trabalho por conta de outrem e de pensões).

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