Renovar a esperança: cenários para Portugal, 2020

Sem renegociação da dívida, não há margem para redução do nível de fiscalidade (impostos e contribuições sociais no PIB) até 2018.

A recessão, o desemprego, os “cortes” e aumentos de impostos deixaram muitos trabalhadores do sector público e privado, pensionistas e famílias extenuados, frustrados, ansiosos e sem perspetivas de futuro. Nos alvores do “pós-troika”, renovar a esperança dos portugueses passa por encontrar um compromisso político amplo em torno de uma estratégia orçamental de médio prazo que, com base num diagnóstico sério e realista, evite um novo resgate mas ofereça a estabilidade e confiança que as famílias e empresas necessitam, conduzindo Portugal de regresso ao caminho da prosperidade.

Desde o advento do euro, Portugal passou por um período de estagnação pior do que em quaisquer décadas anteriores. Neste cenário algo desolador, afigura-se muito difícil retomar o caminho do crescimento e emprego enquanto carregamos o pesado fardo de uma dívida pública da ordem dos 130% do PIB e externa da ordem dos 250% - sem deixar de cumprir com as restrições, mesmo flexibilizadas, do Tratado Orçamental. Há, entre nós, quem advogue a saída do euro. A acontecer, essa seria a solução de último recurso, de reconhecimento do fracasso de Portugal no projeto europeu. A perspetiva que advogamos é a de procurar uma solução realista no quadro do euro, o que significa um previsível crescimento, moderado, nos próximos anos (cerca de 1,5% em termos reais em 2020), acompanhado de uma consolidação orçamental mais suave, mas determinada, até ao quase equilíbrio orçamental no final da próxima legislatura.

A dinâmica das últimas décadas, que se projeta para o futuro, mostra um facto inelutável: o número de idosos por indivíduo em idade ativa tende a aumentar por uma combinação de fatores: envelhecimento da população; baixa fecundidade (a mais baixa da UE!) e saldos migratórios desfavoráveis (mais emigração que imigração). A diferença entre prestações sociais pagas e contribuições sociais tem vindo a crescer dramaticamente e é insustentável. Esta dinâmica é, pela estrutura da despesa pública e com crescimento moderado, uma questão central que qualquer estratégia de consolidação orçamental terá de enfrentar.

O conhecimento da estrutura atual e a dinâmica histórica da despesa pública permite desconstruir alguns “mitos”, falácias e ideias pré-concebidas e erradas, que têm condicionado a discussão sobre o Estado em Portugal e bloqueado o estabelecimento de uma base comum para a construção de um compromisso social e político duradouro. Desde logo, é inútil e prejudicial discutir a despesa associada ao Estado Social (logo, ao peso do Estado na economia) independentemente dos recursos necessários para o financiar. Em contrapartida, é irrealista pensar, em abstrato, numa dimensão “ideal”, reduzida, do Estado ignorando a confiança que os cidadãos depositaram no Estado democrático de direito. É também ilusório pensar que privatizações ou desorçamentação de serviços públicos reduzem intrinsecamente a despesa pública, esquecendo que isso dependerá da existência de ganhos de eficiência, dos custos de transação e monitorização associados aos contratos de serviço público, etc. Finalmente, é uma falácia falar-se das “gorduras do Estado” no sentido de que eliminando ineficiências menores será possível reduzir significativamente a despesa pública, quando, na realidade os chamados “consumos intermédios” (excluindo a Saúde) correspondem a menos de 4% dos gastos do Estado.

É certo que muitos dos obstáculos que defrontamos podem ser removidos ou, pelo menos, atenuados, com algumas remodelações importantes no quadro do euro: renegociação/mutualização da dívida; quantitative easing; maior orçamento europeu; etc. A frente europeia deve, pois, ser firmemente trabalhada, ainda que esteja fora do alcance de influência unilateral do decisor político nacional.

Os cenários teóricos que Portugal enfrenta, e que apresentaremos amanhã na Conferência Gulbenkian, são variados. Temos o cenário da saída do euro; vários cenários indesejáveis que levarão a um novo resgate; um irrealista de redução dramática do peso do Estado e apenas dois que consideramos simultaneamente desejáveis e realistas, sendo um deles mais incerto (com renegociação da dívida) pois não depende só de nós. Ambos partilham um objetivo de redução moderada do peso do Estado até 2020, medido pela despesa das administrações públicas no PIB, que passaria dos 47,6% atuais para 44,1%. A definição de um objetivo estratégico para o peso do Estado na economia tem implicações na despesa em pessoal e no emprego público, bem como na evolução das prestações sociais e no nível de fiscalidade. No que toca ao pessoal, o objetivo no período de ajustamento (2015-2018) será um crescimento da massa salarial abaixo do crescimento nominal do PIB. Este objetivo deverá ser concretizado com uma política sectorial de emprego público que identifique necessidades e redundâncias. As prestações sociais, em particular as pensões, deverão crescer em função dos fatores económicos e demográficos, mas a uma taxa nunca superior ao crescimento do PIB, o que exige uma reforma estrutural do sistema.

Sem renegociação da dívida, não há margem para redução do nível de fiscalidade (impostos e contribuições sociais no PIB) até 2018 (!), excetuando-se a já prevista redução da taxa do IRC, logo a receita fiscal deverá acompanhar o crescimento do produto. Só a partir de 2018, atingido o quase equilíbrio orçamental, se poderão implementar reduções das taxas de imposto. A implementação deste cenário de médio prazo daria estabilidade e previsibilidade às famílias, trabalhando no privado ou no público, aos pensionistas, reformados e aposentados, e às empresas e investidores, permitindo, enfim, renovar a esperança no nosso futuro coletivo.

Tal será impossível sem a construção de um compromisso social e político pós-eleitoral, a cinco anos, que envolva os parceiros sociais e as principais forças políticas. Caso um compromisso duradouro não seja viável, os cenários alternativos sabemos quais são e serão, na nossa opinião, muito mais duros. Nessa altura, que esperamos não chegue, deveremos assacar as responsabilidades a quem não esteve disponível para construir esse compromisso.

ISEG/ULisboa e Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson – Correia da Serra (parceiro da Conferência da Fundação C. Gulbenkian)

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