No chapitô de Jacques Rivette

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"36 Vues du Pic Saint-Loup", de Jacques Rivette

Não é temperamental como "Va Savoir!" (2001) ou "Ne Touchez pas la Hache" (2007). Em comparação, faz figura de pantomima. Mas o teatro continua a ser aqui decisivo tira-teimas. Estamos no chapitô de Jacques Rivette. "36 Vues du Pic Saint-Loup" passa-se no mundo do circo - ainda e sempre o teatro, certamente -, que é um mundo antigo, talvez a única hipótese para segredos existirem, para vidas se esconderem. Logo, o sítio onde se pode esperar um encontro fulminante com a verdade.

Jane Birkin pára no meio da estrada, carro avariado. Passa por ela Sergio Castellito que lhe volta a pôr a máquina em funcionamento. Isso vai ser o motivo do filme, o que Castellito vai fazer à vida de Birkin e dos que trabalham num circo familiar de província: expor segredos, desatar nós, obrigar à transformação.

Birkin, vai saber-se, abandonou aquele circo há 15 anos, depois de um desentendimento crucial com o pai, e agora que o pai morreu, regressa, não sabe porque ou até quando. E Castellito, que podia ser uma daquelas figuras do western que chegam solitariamente a uma cidade paralisada e partem igualmente sós, faz figura de fada deste conto, onde, enfim, se transforma em "clown". "36 Vues du Pic Saint-Loup" (competição) também vai ficar sujeito à transformação. Como se o cinema fosse levado a expor a sua verdade, tomado pelo teatro, algo, portanto, da ordem da revelação. Com consequências. Para quem lhe quiser tocar. Ou experimentar. O número de circo mais incrível, claro, é o próprio Rivette: tem 81 anos!

África minha!, diz a francesa Claire Denis - que cresceu entre os Camarões e o Burkina Fasso. Di-lo através de Isabelle Huppert, muito branca, ruiva, sardenta e exposta ao sol, segunda geração de proprietários de uma plantação de café em país africano. Isto é "White Material" (competição). Huppert, então: é a tenacidade ligada à terra, recusando-se a abandonar um país que se desmorona com a luta entre rebeldes e forças governamentais - e essa família francesa também se vai desmoronando. Mas o filme interessa menos pelas obrigações para com a narrativa. Que é errática, apenas assinalada, não sendo suficientemente claro se Denis se desinteressou dela ou se não investiu o suficiente nela. Ou se aposta no realismo ou na fábula. Vale como "experiência Huppert": "White Material" é uma actriz a experimentar cenário desconhecido, África, às vezes não se tendo bem a certeza se interpreta a personagem ou vive, de forma muito material, as condições que lhe deram.

Um passo mais em frente, os laços com a narrativa desprendem-se totalmente, e instala-se a alegoria. Também é filme para experimentar, "Between two worlds", de Vimukthi Jayasundara, do Sri-Lanka (é a segunda longa de ficção de um realizador de 32 anos que já recebeu a Câmara de Ouro de Cannes, prémio para as primeiras obras, com "The Forsaken Land"). Uma terra em tumulto, também, um jovem que abandona uma cidade a ferro e fogo e parte para a aldeia. Ai é a violência do mito, das histórias ancestrais, que explode. Sim, é qualquer coisa próxima da explosão, embora não saibamos bem o que acontece aqui. Vimukthi Jayasundara fala em restituir ao cinema o fluxo irreversível das histórias orais. Que é uma liberdade que não pede autorização a ninguém e que ou se segue ou se abandona. Mas que mesmo quando é impenetrável, liberta misteriosas ressonâncias.

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