Meia hora sem Internet

A conexão falhou no princípio da tarde. Possivelmente, o corte terá tido origem num evento frívolo, talvez um inadvertido tropeção num fio ou um pontapé num servidor. Mas teve profundas consequências sócio-económicas.

A primeira foi um curioso fenómeno de repetição verbal. “Não há net”, disse o primeiro a notar a anomalia. E a partir daí a mesma frase foi irrompendo como pipocas nos quatro cantos da redacção, em erupções instantâneas de perplexidade.

Instalou-se inicialmente um grande mal-estar. Eu senti-me como se me tivessem tirado o chão debaixo dos pés. Outros comungavam da mesma comoção. Trabalhos que estavam em curso foram interrompidos. Tarefas importantíssimas não poderiam ser realizadas. A edição do jornal estava seriamente em perigo.

Valente susto mas passageiro, pois logo foi suplantado por uma injecção reanimadora, quando, pouco a pouco, concluiu-se que, sem net, era impossível trabalhar. E não só era, como seria, se os computadores permanecessem por muito tempo isolados da comunicação digital. Na prática, o tropeção ou pontapé estavam a um passo de, pelo menos por um dia, libertar dezenas de trabalhadores do fardo do trabalho – uma ansiada utopia.

Sob esta magnífica perspectiva, o humor colectivo alterou-se. Rugas desapareceram de testas franzidas, silêncios deram lugar a animados diálogos, sorrisos surgiram do nada. Quando dei por mim, passeava amenamente pelo corredor, cruzando-me com outros em igual procedimento, tipicamente dominical. Alguns uniam-se em pequenos ajuntamentos estáticos, como no balcão de um café. Se houvesse cerveja, ninguém diria que aquele era um local de trabalho.

Por não haver Internet, o mundo parecia ter congelado. E sem mundo, não havia jornalismo. Nem sequer era possível fazer telefonemas, nem aceder aos sistemas internos. Estava tudo interligado – neste caso, inter-desligado. A vida, como ela é, paralisara.

De tão inesperados, porém, aqueles momentos de lazer forçado esgotaram paulatinamente a energia lúdica disponível. Exaurido por não fazer nada, sentei-me e pus-me simplesmente a escrever. E descobri que, sem estar conectado, a produtividade aumentara exponencialmente.

É claro que este benefício não vinha sem um preço. Não podia ter acesso às notícias de última hora, nem pesquisar contactos ou aceder a documentos. Também estava impedido de verificar os emails a cada cinco minutos – um dos quais consumido a apagá-los –, de consultar os campeões de likes no Facebook e de assistir à mais recente inutilidade viral no Youtube, que todos partilham num impulso de grande originalidade, igual ao de milhões de outras pessoas.

Tendo à mão a oportunidade de regressar às origens da profissão, estava pronto a partir para a rua munido apenas de um bloco de notas e uma caneta, quando a Internet voltou. “Já há net”, disse eu e mais umas dezenas de colegas, em nova redundância vocal. Em menos de um minuto já estavam todos sentados nos seus lugares, a cara colada ao computador.

Num instinto, parei o que fazia para abrir os emails. Estava tudo lá: as ofertas de desconto em perfumes e televisores, o fantástico relógio do Rei Leão se eu assinasse umas revistas, um pedido para gostar do PS de Fornos de Algodres no Facebook, as fotos que uma Tânia me mandava dizendo que eu ia adorar e, é claro, mais uma proposta de negócio de um banco africano que pretendia depositar milhões de dólares na minha conta. Ainda bem. Felizmente, tudo tinha voltado ao normal. 

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