PS deu "orientação de voto" a favor da moção do PCP de censura ao Governo

Direcção da bancada do PS decidiu não impor a disciplina de voto nem optar pela abstenção, como defendiam alguns socialistas. Mas ficou claro que a divisão no PS não poupa o grupo parlamentar.

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Alberto Martins sustenta que PCP ajudou à queda do Governo de Sócrates Daniel Rocha

A direcção da bancada do PS deu uma orientação de voto a favor da moção de censura do PCP, que será discutida nesta sexta-feira, optando por não impor a disciplina de voto nem a favor nem no sentido da abstenção, como defendiam alguns socialistas.

O anúncio foi feito aos jornalistas pelo líder do grupo parlamentar Alberto Martins, ao final da tarde desta quinta-feira, após uma segunda reunião da bancada que durou cerca de meia hora. "Foi dada orientação de voto a favor", disse Alberto Martins, o que significa que essa será a posição da direcção da bancada e não vincula os deputados a esse sentido de voto.

De manhã, na primeira reunião na qual a bancada socialista discutiu o assunto, Alberto Martins tinha anunciado o voto a favor, já sem impor a disciplina. Mas ficou marcada esta nova uma reunião, ao final da tarde, depois de Jorge Lacão ter pedido uma reflexão, por considerar que o partido se devia abster, tendo em conta o texto da moção que defende a saída de Portugal do euro.

Lacão, que se demitira na véspera do secretariado nacional, observou que a disciplina de voto só podia ser imposta se fosse decidida pela comissão política do partido. Depois de alguma discussão, José Magalhães alertou que havia pouca gente na sala, propondo que se fizesse uma nova reunião. E Alberto Costa, apoiante de Costa, advertiu que era importante perceber o sentido político da moção do PCP, porque, votando a favor dela, depois do bom resultado da CDU nas europeias, o PS estaria a dar ainda mais destaque aos comunistas.

À saída, questionado pelos jornalistas sobre se houvera deputados a afirmar que iriam votar contra a moção, Alberto Martins respondeu que "essa questão não esteve em aberto". E sobre a perspectiva de a bancada se partir esta sexta-feira, o líder do grupo parlamentar comentou: "Somos um partido livre, cada um dos deputados assume as suas responsabilidades". E avançou que convocara nova reunião para a tarde, afirmando que não havia então quórum suficiente para tomar decisões.

Alberto Martins também disse então aos jornalistas que o partido só tem política de disciplina de voto em moções de censura ou de confiança quando está no Governo, antecipando já que, no caso da moção do PCP, haveria liberdade de voto. Isto, apesar de o secretário-geral do PS ter já anunciado na segunda-feira que o PS votaria a favor do texto do PCP.

“Estou a tentar que uma deliberação desta importância seja o mais democrática possível”, afirmou Alberto Martins aos jornalistas de manhã, para justificar a marcação de nova reunião. “O PS é um partido plural. Não houve votações nesta discussão, houve expressão de opinião. Vamos continuar essa expressão de opinião”, acrescentou, especificando que fora ele próprio a propor que se fizesse nova reunião à tarde.

O líder da bancada escusou-se na altura a interpretar a divisão entre os deputados, nomeadamente se esta advinha da guerra entre Seguro e Costa e respectivos apoiantes. Também não esclareceu se atribuía a ausência de grande parte dos parlamentares socialistas a uma intenção de afrontar o secretário-geral. Alberto Martins limitou-se a vincar que “o debate interno é o debate interno” e a moção de censura é outro assunto. Defendeu que a “moção é ao Governo”, e que o PS é “contra o Governo e censura o Governo, tal como o povo já censurou [nas eleições de domingo] (…) Nós censuramos veementemente o Governo.”

E uma "abstenção violenta"?
Jorge Lacão terá sido o líder da contestação à orientação de voto favorável do PS à moção de censura do PCP ao Governo, argumentando também que a fundamentação do texto comunista colocava PS, PSD e CDS-PP em pé de igualdade na crítica política à evolução e consequências da situação económica e social do país nos últimos anos. À Lusa, Jorge Lacão justificou o apoio de Seguro à moção com o facto de o ter feito publicamente quando ainda não conhecia a fundamentação incluída no documento.

Mas além de Lacão e Alberto Costa, também José Lello, outro apoiante de António Costa, criticou a orientação geral do partido. Com ironia, chegou a sugerir que se adoptasse uma “abstenção violenta” em relação à moção de censura, numa alusão à posição que o PS assumiu na votação do primeiro Orçamento do Estado do Governo da coligação PSD/CDS-PP.

No sentido oposto, o líder da Federação de Leiria, João Paulo Pedrosa, e o vice-presidente da bancada socialista, José Junqueiro, defenderam o voto a favor da moção de censura, separando a fundamentação da moção do objectivo político final de censurar o Governo.

Numa tentativa de solução intermédia, o coordenador da bancada socialista na Comissão de Assuntos Constitucionais, Pita Ameixa, apoiante de Seguro, sugeriu que o PS tornasse pública uma fundamentação alternativa para a censura ao executivo PSD/CDS, sem prejuízo do voto a favor.

Falando aos jornalistas, Alberto Martins recusou o argumento de que a moção também responsabilizava o PS. “A questão de fundo e conclusiva é a censura ao Governo. Os considerandos dizem respeito às leituras políticas dos autores das moções. Nós temos uma visão absolutamente distinta disso, mas não temos visão distinta quanto à [necessidade da] censura ao Governo.”

Desvalorizando as dificuldades de gerir uma bancada dividida desta maneira, Alberto Martins disse que o grupo parlamentar é “muito operacional” e “operativo” e preferiu falar da democracia existente no PS. “A democracia é pluralidade, é discussão, é divergência, é consenso, e temos todos a maturidade e a experiência bastante para sabermos conviver com debate interno e com as necessidades públicas e políticas de atacar o Governo e as suas políticas desastrosas.”

Num momento em que Seguro e Costa contam, um a um, os apoios que conseguem reunir para travar ou lançar um congresso extraordinário, Alberto Martins voltou a reafirmar o seu apoio ao secretário-geral, mas sem se comprometer com uma resposta directa sobre se o líder socialista deve ou não ceder na convocação do congresso.

“Eu já declarei publicamente que apoiava o António José Seguro. [O debate sobre o congresso extraordinário] está a ser feito no partido. O que eu tenho dito é que os estatutos são a Constituição da República do partido. É no quadro das possibilidades constitucionais que esse debate tem que ser feito.”

"Guião de baixo nível" contra Seguro
Quem não se coibiu de relacionar a questão da apreciação da moção de censura do PCP com a situação actual no PS foi o dirigente socialista Nuno Sá que, segundo a Lusa, acusou os deputados socialistas que contestam o apoio à moção de seguirem um "guião de baixo nível" contra António José Seguro.

Eleito pelo círculo de Braga e considerado próximo da direção do partido, Nuno Sá reagiu assim à posição do deputado e ex-ministro socialista Jorge Lacão. "Os socialistas e os portugueses percebem o que está em causa. O que se passou hoje [na reunião do Grupo Parlamentar] foi mais um folhetim do guião de baixo nível para atacar o secretário-geral do PS [António José Seguro]. Esse foi o único objetivo do folhetim que hoje foi concretizado", acusou o coordenador da bancada socialista para as questões laborais.

Ainda de acordo com este deputado do PS, a contestação que surgiu na reunião da manhã da bancada socialista traduziu-se, na prática, em "jogadas baixas de pura afronta ao líder do partido".

Nuno Sá apontou também contradições políticas na actuação do grupo socialista que defendeu a abstenção perante a moção de censura do PCP ao Governo. "Como é que alguns daqueles que em várias reuniões se queixaram de falta de censura ao Governo são hoje os primeiros a não querer censurar o Governo? Como se percebe esta falta de verticalidade nas posições políticas?", questionou o deputado socialista eleito por Braga.

Segundo Nuno Sá, o sector do PS que tem "reclamado uma oposição firme e de linha dura 'do contra' parecem ser agora os que defendem uma abstenção violenta". "No momento em que se vai fazer uma censura política ao Governo, após os portugueses terem expressado uma censura forte nas urnas, alguns parece que ficam agora titubeantes. Como é que isto se percebe? Era bom que isso fosse explicado", acrescentou.

Vieira da Silva protesta, Assis surpreende
Estas teses levaram Vieira da Silva, antigo ministro de José Sócrates e apoiante de Costa, a protestar, já na reunião da parte da tarde, contra a extrapolação do debate sobre a moção da censura para a questão da disputa da liderança no PS. Ainda assim, de acordo com as fontes contactadas pelo PÚBLICO, a reunião vespertina foi muito mais pacífica. O que não quer dizer que não tenha deixado margem para alguma intervenção mais inesperada. Como a de Francisco Assis, o cabeça de lista do PS às europeias e apoiante de António José Seguro, que disse achar o texto da moção de censura do PCP “uma violência para o PS”, considerando que esta questão, “não sendo uma matéria de consciência pessoal", era, contudo, "uma matéria de consciência política”. com Lusa

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