Partos nos hospitais privados custam nove vezes mais do que no SNS

Baixar os preços nos hospitais públicos pode ter efeito perverso de afectar a reputação das unidades e diminuir a procura, alerta a Entidade Reguladora da Saúde

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Há um ano, o Ministério da Saúde decidiu passar a comparticipar a sedação das colonoscopias e autorizou o pagamento de mais exames no sector privado PÚBLICO/Arquivo

Os preços definidos nas tabelas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) são inferiores aos cobrados por hospitais privados, à excepção das diárias de internamento e das urgências que são mais caras no sector público. Há áreas em que a diferença de preços é substancial. Um exemplo: no sector privado, os partos vaginais e as cesarianas custam cerca de nove vezes mais do que no público, conclui a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) num parecer esta quinta-feira divulgado e que se baseia na análise de quatro hospitais de média e grande dimensão privados e na tabela de preços do SNS.

Também as mamografias e as colonoscopias são substancialmente mais caras nos hospitais privados considerados, constatam os autores do “Parecer sobre os limites aos preços que os hospitais públicos podem praticar na sua relação com terceiros”, que foi pedido à ERS pelo ministro da Saúde. Uma mamografia está tabelada por 20,50 euros no SNS, enquanto valor médio praticado pelos privados para este mesmo exame  é de 87,25 euros. Já uma colonoscopia total tem o preço de 73,80 euros  no SNS, enquanto nos privados  fica, em média, por 267,50 euros.

Esta comparação “é uma falácia”, reage o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização privada, Artur Osório. “Uma coisa é trabalhar à peça, outra é trabalhar por grosso. Temos uma tabela privada pura, mas só 3% das pessoas é que pagam esses preços, depois temos tabelas impostas pelos subsistemas de saúde [como a ADSE], o Estado e as seguradoras e esses preços são muito mais baratos. Quase não temos clientes privados puros”, justifica. Artur Osório que sustenta ainda que os preços que "o Estado paga aos hospitais públicos são superiores aos desta tabela".

Os autores do parecer da ERS também notam que os preços observados no sector privado “podem ser diminuídos numa estratégia competitiva de redução de preços, não sendo de todo claro se tal margem existe nos preços das tabelas do SNS”. Alertam ainda que há um factor que pode justificar as diferenças tão significativas encontradas. No sector público, os preços estão tabelados por grupo de diagnóstico homogéneo (GDH), um sistema de classificação de episódios agudos de doenças, e não é possível perceber se estes GDH acompanharam a evolução dos custos suportados pelos hospitais ao longo dos anos.

O exemplo dos partos é paradigmático: um parto vaginal sem complicações tinha em 2003 um preço de 920,92 euros no SNS, valor que subiu 3% até 2009 para em 2013 cair 69%  (para 292,46 euros). Este ano ainda diminuiu mais 1%.

Oportunidades e riscos 
Mas o objectivo principal na base deste pedido de parecer era o de perceber se fará sentido reduzir os preços no SNS, face à nova realidade decorrente da directiva transfronteiriça dos cuidados de saúde (que permite aos cidadãos da UE tratarem-se noutro Estado-membro, dentro de certas condições). A portaria que define a actual tabela de preços do SNS, de Janeiro passado, estabelece que os hospitais públicos podem cobrar valores diferentes quando prestem serviços a entidades de outros Estados, no âmbito de contratos específicos.

A flexibilização de preços dos hospitais do SNS gera oportunidades mas acarreta riscos que importa acautelar, avisam os autores do parecer. Há oportunidades, como por exemplo o aumento do rendimento, que contribuirá para o equilíbrio financeiro dos hospitais, e a melhor utilização da capacidade instalada em áreas onde possa existir algum subaproveitamento.

No entanto, tendo em conta as características especiais do serviços de saúde, a redução de preços terá um impacto concorrencial limitado pela probabilidade de as pessoas interpretarem a redução como uma diminuição da qualidade dos serviços, alertam.  Reduções relevantes no nível dos preços dos hospitais do SNS podem mesmo ter um efeito perverso porque, ao acarretarem o risco de afectar a reputação desses estabelecimentos, podem conduzir a uma diminuição da procura, concluem.

A atracção de utentes pela redução de preços é possível, mas este objectivo “será provavelmente mais bem alcançado com a exploração de outras variáveis concorrenciais”, aconselham.

O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada considera que a conclusão de que a redução do preço pode levar à diminuição da procura é “um bocado ridícula”. “Os preços devem ser os preços justos”, diz Artur Osório, para quem o SNS deveria ter “uma tabela de preços real” para ter condições para estar “no mercado”.

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