Sindicalismo e casas de banho

Um dia ainda nascerá um sindicalista da CGTP capaz de distinguir um protesto justo e genuíno de um circo de lamentações.

A CGTP descobriu recentemente que a forma mais eficaz de marcar reuniões com secretários de Estado para discutir questões laborais é levar 200 trabalhadores para a recepção de um ministério e pedir para ser atendido no meio de muitos gritos, palavras de ordem, cartazes, reforços do contingente policial e câmaras de televisão.

É certo que, à primeira vista, a coisa pode parecer uma invasão e uma ocupação de um edifício estatal, mas quando a CGTP estreou esta nova “forma de luta”, em Novembro passado, Arménio Carlos apressou-se a explicar que não era nada disso: “Não houve nenhuma invasão nem ocupação, houve uma intervenção dos sindicatos que reclamaram reuniões.”

Ora, esta espécie de milícias do vade-mécum é uma daquelas originalidades que nos deixam indecisos sobre se devemos lamentar a falta de segurança e dignidade das instalações do Estado português, onde se permite alegremente a tomada do hall de entrada de ministérios por parte de sindicalistas aos gritos de “o povo não quer/ fascistas no poder!”; ou se devemos, por outro lado, celebrar a brandura única dos nossos costumes, na medida em que após a expensão de certos decibéis tudo acaba invariavelmente em bem, com intercâmbio de pancadinhas nas costas entre manifestantes (perdão, agendadores de reuniões) e polícias.

Eu, francamente, divirto-me a ver aquilo, e no último agendamento de reunião em formato turbamulta, ocorrido sexta-feira no Ministério da Educação sob a batuta da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, que inclui o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Centro, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas e o Sindicato dos Trabalhadores Consulares e em Missões Diplomáticas (que eu acho que deveria chamar-se, por razões óbvias de pendant federalista, Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais das Regiões Fora do País), houve alguns momentos facetos, com particular destaque para o escândalo em boa hora denunciado pela sindicalista Lurdes Ribeiro: os manifestantes, que ficaram cinco horas dentro do edifício da 5 de Outubro, foram – imagine-se – impedidos de usar o WC.

A sério. Eu vi na TV uma senhora dirigir-se para a câmara (desconheço se seria Lurdes Ribeiro) muito indignada, para denunciar o facto de não lhe deixarem – e cito – “fazer chichi”. Se, por estritas razões escatológicas, não se pode considerar este um dos momentos mais altos do sindicalismo português, pode-se, pelo menos, transformá-lo em emblema de um tique: o perpétuo queixume, a eterna querela, a infindável caramunha. Lurdes Ribeiro e seus amigos decidiram ocupar a entrada do Ministério da Educação contra a vontade das autoridades, durante cinco horas permaneceram por lá, e no meio da invasão ainda protestaram por os invadidos não lhes permitirem o acesso aos sanitários.

Tivesse a senhora Lurdes acedido à casa de banho, e com certeza reclamaria contra as deficiências de limpeza das porcelanas ou acerca da inexistência de papel de dupla folha, derivado da entrada da troika em Portugal. Mas não percamos a esperança: um dia ainda nascerá um sindicalista da CGTP capaz de distinguir um protesto justo e genuíno de um circo de lamentações. E quando esse dia chegar, todos nós, trabalhadores portugueses, seremos muito mais felizes. Haja fé. E casas de banho, enquanto esperamos.

Jornalista, jmtavares@outlook.com

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