Greves à portuguesa

Estas greves à portuguesa são pura encenação. Muito democráticas mas absolutamente inúteis.

Pelas minhas contas, neste final de ano estiveram em greve: os trabalhadores da Carris, os trabalhadores dos Transportes Sul do Tejo, os trabalhadores da CP, os trabalhadores da Groundforce, os pilotos da easyJet, os trabalhadores da recolha do lixo de Lisboa, os trabalhadores do sector da hotelaria na Madeira, os trabalhadores dos CTT e, hoje de manhã, os trabalhadores do Metro.

É possível que me esteja a faltar alguma coisa. E é também possível que a expressão “greve”, na maior parte destes casos, seja francamente exagerada – até porque dá mau nome a um direito fundamental dos trabalhadores, que ao longo da história foi conquistado à custa de muito sangue, suor e lágrimas.

“Greve” é aquilo que Lech Walesa promoveu nos estaleiros de Gdansk na Polónia de 1980. “Greve” é aquilo que os trabalhadores dos caminhos-de-ferro fomentaram na América de finais do século XIX. “Greve” é aquilo que os mineiros britânicos organizaram na Inglaterra de Margaret Thatcher – correu-lhes mal, mas foi uma greve. Meses de luta, braços de ferro desesperados, um verdadeiro combate por direitos e privilégios, em que qualquer pessoa sabia o que estava em causa e por que raio aquela gente estava a lutar. Já nestas greves à portuguesa, em que os grevistas miraculosamente se unem para aproveitar pontes, épocas festivas ou fins-de-semana prolongados, utilizando os mais estapafúrdios argumentos, talvez seja preferível chamar-lhes “dias de férias não-remunerados”.

E antes que algum leitor mais afoito me comece a acusar de querer acabar com o direito à greve, deixem-me assegurar que eu quero o exacto oposto disso. Quero que as greves tenham significado, quero que as greves sejam valorizadas, e quero compreender, já agora, porque é que elas ocorrem. Há dias ouvi, com dificuldades em acreditar, um sindicalista dos CTT justificar a greve com estas palavras: “agora, com a privatização, nós não sabemos o que vai acontecer”. Ele não sabia se ia ser bom ou se ia ser mau. Mas, pelo sim, pelo não, fazia greve na mesma. Outro sindicalista, de um sector dos transportes, justificava a greve com a entrada em vigor do Orçamento de Estado. Não era nada que o seu patrão lhe tivesse feito ou lhe estivesse a dever. Era uma greve, tipo, contra a fiscalização sucessiva.

Isto tem um nome: banalização da greve. E não traz vantagens a ninguém. Deixem-me citar o início de uma notícia do PÚBLICO de há mês e meio: “Mais de metade do mandato do actual Governo foi passado com greves nos transportes. Desde que o executivo tomou posse, em Junho de 2011, os sindicatos convocaram quase 500 dias de protestos, na maioria parciais ou incidindo apenas sobre o trabalho extraordinário.” Primeira pergunta: os trabalhadores ganharam alguma coisa com isto? Segunda pergunta: o Estado, que é o patrão desses trabalhadores, perdeu alguma coisa com isso? A triste resposta a estas duas perguntas é: não. Os trabalhadores não ganharam nada e os empregadores, que são deficitários de qualquer forma, até pouparam uns trocos em ordenados.

E assim sendo, que greves são estas, afinal? São para levar a sério? Não. São greves de brincadeirinha, em que quem se lixa é o mexilhão – ou seja, o utente. Se alguma das partes estivesse realmente convicta do que está a fazer, se uns sentissem que ganhavam alguma coisa e outros que poderiam perder alguma coisa, nada se passaria assim. Estas greves à portuguesa são pura encenação. Muito democráticas, certamente. Mas absolutamente inúteis.
 

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