Pode o líder de um partido ser colaborador permanente do PÚBLICO?

De imediato, eu diria que não. Mas a questão que me colocou um leitor merece outras considerações.

Hoje, denuncia-se muito a promiscuidade existente entre as instituições mediáticas e os actores políticos. Emprego a designação "actores políticos" no sentido de relevar aqueles que exercem cargos de acção política profissionalizada. Destaco assim, neste especial contexto, os "profissionais" da política, pois, em rigor, todos nós deveríamos estar comprometidos a desenvolver uma acção de cidadania política. Em desabono da democracia, são muitos aqueles que se inibem de exercer essa condição. Quanto à criticada promiscuidade, verdade seja dita: jornalistas e actores políticos têm responsabilidades no cartório por esta acusação.

 Por um lado, assiste-se a um fácil cruzamento entre o estatuto de ser jornalista e o de ser político profissional. Por outro, a presença contínua de actores políticos nos media é excessiva. Aliás, esta circunstância é por certo um dos factores concorrentes para a constante depreciação com que o grande público olha para a actividade política e para as instituições e organizações do “edifício político”. Provavelmente, e em muitos casos, por causa da falta de qualidade nessa presença e pela dúvida na confiança que essa presença transmite, em espectáculo de cinismo e hipocrisia.

É evidente que a notoriedade daqueles que se constituem actores políticos com o estatuto de liderança emerge, aumenta, reforça-se, normalmente, pela presença que estes ganham no espaço mediático. Como dizia, Francisco Lucas Pires: "Se eu apareço nos media, existo; se não apareço, não existo." Os profissionais da actividade política exercem as suas funções no interior das instituições políticas. Porém, a sua ligação aos cidadãos é em grande parte aquela que os media facultam. Esta interactividade entre cidadãos e actores políticos profissionais é condição essencial para a vivência democrática. Numa lógica de representatividade e de escrutínio democrático. E, como tal, essa presença no espaço mediático e público deve ser assegurada.

A questão que me levanta o leitor é esta: "O cronista Rui Tavares está a tentar criar um novo partido político. Não lhe parece que devia suspender as suas crónicas regulares neste jornal?"

E o leitor acrescenta: "Digo isto, pois mais nenhum líder partidário tem crónicas regulares. Outra opção seria convidar os outros partidos para escrever regularmente. Só assim se garantia a transparência e igualdade de oportunidades. A continuar assim, parece-me que estão a dar um tempo de antena desmedido em comparação com outros partidos (incluindo os muitos que não estão representados na AR)."

Solicitei à directora do PÚBLICO, a jornalista Bárbara Reis, primeira responsável pela orientação do jornal, uma reacção à questão deste leitor. Bárbara Reis respondeu: "Consideramos que é cedo para tomar uma decisão. O partido de que o leitor fala ainda não existe, não tem sequer estatutos definidos e Rui Tavares não tomou qualquer decisão sobre o seu futuro. Neste momento, Rui Tavares é, como tantos outros, um colunista com um posicionamento político claro. Não é um líder partidário. De qualquer modo, é tradição do PÚBLICO os líderes partidários não terem espaços fixos de opinião no jornal. E é nossa intenção manter a filosofia."

Tenho estado atento aos artigos de Rui Tavares publicados neste jornal. Não tenho verificado a utilização destas colunas para dinamizar o processo da eventual criação do novo partido. Obviamente, as suas ideias são concomitantes aos ideais que noutros espaços de entrevistas ou tomadas de posição justificam a (sua) necessidade de ver criado outro partido. Creio que, neste momento, Rui Tavares, além de alimentar o projecto, está a desencadear uma série de procedimentos indispensáveis ao cumprimento dos requisitos legais e outros de negociação para o eventual lançamento do tal novo partido, cujo nome de marca se vai intitulando PARTIDO LIVRE (PL). Não obstante Rui Tavares ser um autor e um historiador de reconhecidos valor e mérito entre os seus pares e pela apertada avaliação a que os académicos, hoje, estão sujeitos, é inegável que a sua notoriedade no espaço público fica muito a dever à presença contínua nos media escritos e audiovisuais. Aliás, esta circunstância da sua exposição mediática não terá sido alheia ao impacto público que teve a ruptura com o Bloco de Esquerda deste deputado independente do Parlamento Europeu. Seria ingenuidade minha dizer que esta condição de habitual exposição mediática não favorece a sua tarefa de eventualmente conseguir lançar um novo partido. Efectivamente, por enquanto, Rui Tavares não é um líder partidário, líder na acepção estrita de vir a ser o seu presidente ou secretário-geral. Porém, a exposição que os media lhe dão, entre os quais o PÚBLICO, é um precioso auxílio. Compreendo, por isso, a objecção colocada pelo leitor. Mas também julgo defensável a posição da directora do PÚBLICO. Resta saber a posição do próprio Rui Tavares que preconiza para o LIVRE uma nova ordem de transparência sem equívocos.


 
 

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