Revista científica retira artigo que relacionava milho transgénico ao cancro

Um ano depois da polémica causada pela sua publicação, editores voltam atrás e dizem que trabalho é inconclusivo.

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Ratos com tumores do tamanho de bolas de golfe: conclusões precipitadas AFP/CRIIGEN

Quando foi publicado, há um ano, o estudo causou furor: para alguns, era a prova inequívoca de que os alimentos transgénicos representam sérios riscos para a saúde; para outros, o trabalho não tinha credibilidade científica.

Agora a própria revista Food and Chemical Toxicology, da prestigiada editora científica Elsevier, decidiu “despublicar” um artigo do cientista francês Gilles-Eric Séralini, que sugeria que o milho transgénico provocava tumores do tamanho de bolas de golfe em ratos de laboratório.

A decisão representa um embaraço tanto para o cientista, que já ameaçou processar os editores, quanto para a revista, que pôs em cheque o seu próprio sistema de revisão científica.

Publicado em Setembro de 2012, o artigo referia-se a uma investigação de cientistas das universidades de Caen (França) e Verona (Itália), na qual ratos foram alimentados com um milho geneticamente modificado da multinacional Monsanto – o NK603.

Depois de dois anos de observação, os investigadores concluíram que havia mais problemas de saúde nestes ratos do que noutros que tinham sido sujeitos a uma alimentação sem transgénicos. Os próprios cientistas divulgaram imagens aterradoras dos animais com enormes tumores.

Enquanto grupos anti-transgénicos saudaram o estudo como revelador do risco dos organismos geneticamente modificados (OGM), muitos cientistas, academias científicas e entidades reguladoras da área da alimentação criticaram-no abertamente. Razões: o número de animais era pequeno, aquela estirpe de ratos de laboratório em si é susceptível ao surgimento de tumores, os cálculos estatísticos deixavam a desejar, os dados completos da experiência não eram revelados.

Um ano depois, a revista deu-lhes razão e retractou-se, ordenando a retirada do artigo de publicação. Numa nota publicada no seu site na Internet, a editora Elsevier refere que o director da revista, após a reacção da comunidade científica, conduziu “uma análise completa e demorada” do artigo, dos dados que o suportam e do processo de revisão que deu luz verde à sua publicação.

“Inequivocamente, o director não encontrou qualquer evidência de fraude ou má representação intencional dos dados. No entanto, há razões legítimas de preocupação quanto ao número de animais em cada grupo do estudo e à estirpe seleccionada”, diz o comunicado. “Uma observação mais aprofundada dos dados relevou que, com o reduzido tamanho da amostra, não se pode chegar a conclusões definitivas”, completa o documento.

Gilles-Eric Séralini, o principal autor do estudo, não gostou da decisão e ameaça processar a revista. Séralini é o director científico do Comité para Investigação e Informação Independente sobre Engenharia Genética (Criigen, na sigla em inglês) e é uma da principais vozes em França a alertar para os riscos dos OGM.

“Caso a FCT [Food and Chemical Toxicology] persista na sua decisão de retirar o nosso estudo, o Criigen atacará com advogados, inclusivamente nos Estados Unidos, exigindo compensações financeiras pelos enormes danos causados ao nosso grupo”, refere a organização, num comunicado.

“Estas críticas são inaceitáveis, uma vez que já foram respondidas num debate publicado há um ano pela mesma revista”, acrescenta o comunicado.

O Criigen argumenta que o artigo “não contém erros nem fraudes” e exige que a revista retire antes de publicação um trabalho apresentado pela empresa Monsanto para mostrar a inocuidade do seu milho transgénico, com o mesmo tipo de ratos mas alegadamente feito com metodologias erradas.
 

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