“Pausa” no aquecimento está a deixar os climatólogos perplexos

O abrandamento da subida de temperatura mundial que se vem verificando há 10 a 15 anos não põe em causa as projecções de aquecimento global a longo prazo mas é um quebra-cabeças para os peritos.

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É preciso explicar por que a subida da temperatura global abrandou REUTERS/Daniel Munoz (arquivo)

O Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, o órgão científico de referência em matéria de aquecimento, conhecido pela sua sigla em inglês, IPCC, vai declarar oficialmente nesta sexta-feira em Estocolmo que a temperatura do globo já aumentou mais de 0,8 graus Celsius desde o início do século XX e que continuará a subir ao longo do século XXI.

Mas esta constatação mais do que repetida apresenta uma anomalia há dez a 15 anos: enquanto as concentrações de dióxido de carbono (CO2), principal responsável pelo aquecimento, continuam a aumentar, a temperatura da superfície dos oceanos e dos continentes tende a estabilizar-se.

De facto, segundo uma versão do resumo do novo relatório do IPCC, o ritmo do aquecimento desde 1998, que foi um ano particularmente quente, terá diminuído para 0,05 graus Celsius por década, contra 0,12 graus Celsius em média desde 1951. O resumo vai ser debatido esta semana entre cientistas e representantes dos 195 países-membros do IPCC, que trabalha sob a égide das Nações Unidas,antes da sua publicação formal na sexta-feira.

Os cépticos das alterações climáticas já se apoderaram obviamente deste recente iato no aquecimento global para questionar os modelos do clima e até contestar o contributo humano para o aquecimento. Quanto aos climatólogos, lembram que a tendência ao longo de várias décadas confirma as suas previsões. Para mais, a última década foi a mais quente de que há registo e os outros sinais de aquecimento não estão a marcar uma pausa: diminuição das áreas de gelo, subida do nível do mar, eventos extremos…

Seja como for, as causas desta estabilização não foram ainda completamente desvendadas. Será ela devida à influência das partículas vulcânicas, que reflectem os raios do Sol? Ou a uma diminuição da actividade solar? Os estudos mais recentes destacam o papel dos oceanos, e a uma maior absorção do calor em profundidade, e à influência fulcral do recente arrefecimento do Pacífico equatorial

Uma ou duas vezes por século

O Serviço Meteorológico britânico (Met Office) reconheceu este Verão que esta “pausa” levanta “importantes questões sobre o nosso nível de compreensão e de observação” do sistema climático e dos oceanos. Contudo, conclui, “isso não invalida os modelos climatológicos”. “Actualmente, a duração do fenómeno não é incompatível com os modelos”, confirmou à AFP Laurent Terray, físico do clima do Centro Europeu de Investigação e de Formação Avançada em Cálculo Científico (Cerfacs). “Isso pode acontecer uma ou duas vezes por século. Se se prolongar por duas décadas sucessivas, podíamos começar a perguntar se os modelos não estarão a subestimar a variabilidade interna do clima” – isto é, a sua variabilidade natural, acrescenta o investigador.

O problema, para o IPCC reside no facto que muitos estudos sobre o tema são demasiado recentes para terem encontrado o seu lugar no longo processo de síntese e de validação na base do novo relatório destinado a esclarecer os decisores políticos e económicos.

Em Estocolmo, desde segunda-feira, as discussões têm incidido em parte sobre a maneira de evocar esta “pausa”. E a julgar pelos comentários submetidos pelos governos antes da reunião, a que a AFP teve acesso, as opiniões divergem. Para a Noruega, o relatório “devia abordar a pausa actual de forma mais explícita, explicando como o calor foi absorvido pelos oceanos nos últimos 10 a 15 anos”. A China e os EUA também advogam a favor de uma maior clareza na explicação da pausa.

Quanto à Bélgica, deplora a utilização de 1998 como início de um qualquer período de avaliação estatística, dado aquele ano, marcado pelo fenómeno El Niño, ter sido excepcionalmente quente.

Mas será que o IPCC pode manter o silêncio sobre esta questão? “Dada a atenção de que este tema está a ser alvo, acho que o IPCC precisa de a abordar e de apresentar claramente os factores para que os decisores percebam”, diz Aklen Meyer, um dos responsáveis pela estratégia da Union of Concerned Citizens, um influente grupo de reflexão norte-americano. O IPCC, sob pressão após a detecção de vários erros no seu último relatório (de 2007), “tornar-se-ia extremamente vulnerável a novas críticas, sinceras ou não” se não falasse do tema, diz por seu lado Wendel Trio, director da ONG Climate Action Network Europe.
 
Notícia corrigida a 26 de Setembro: a sigla pelo qual é conhecido internacionalmente o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas é IPCC e não GIEC; essa é a designação em francês

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