As baratas já não gostam de açúcar e por isso as armadilhas deixam de as matar

Populações da barata-germânica, que vagueia pelas habitações de todo o mundo, deixaram de gostar de açúcar. Descobriu-se agora que o sabor da glucose deixou de ser doce e passou a ser amargo nesta espécie.

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Uma barata-germânica Aiako Wada-Katsumata e Andrew Emst

Guerrilha biológica? Sim, no meio das cozinhas, dentro das canalizações, no órgão do sabor dos insectos. Para nossa infelicidade, as baratas estão a adaptar-se às armadilhas humanas. Neste caso, o doce passou a saber-lhes a amargo e isso salva vidas, as delas, mostra um estudo publicado agora na revista Science.

 

Desde o início da década de 1990 que começou a haver testemunhos de baratas a afastarem-se de açúcar, meia dúzia de anos depois de surgirem as armadilhas venenosas que estão revestidas de açúcar. Agora, uma equipa liderada por Coby Schal, do Centro de Biologia do Comportamento da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, foi tentar compreender as mudanças fisiológicas que estavam a surgir em populações da “Blatella germânica”. Esta espécie, mais conhecida por barata-germânica, mede entre 1,3 e 1,6 centímetros e está espalhada pelas casas de todo o mundo.

É surpreendente observar uma barata que não gosta de glucose quando se aproxima de algo com açúcar. “Saltam para trás como se tivessem apanhado um choque eléctrico. É um comportamento muito, muito, mas mesmo muito visível. Recusam-se completamente a ingerir o açúcar”, diz Coby Schal, citado pela agência AFP. “É como se uma pessoa pusesse alguma coisa na boca realmente amarga ou azeda e a quisesse expelir imediatamente.”

Os cientistas foram analisar o que estava subjacente a este comportamento e observaram os órgãos dos sentidos do sabor das baratas. Elas sentem o sabor das coisas em vários locais do seu corpo, nas patas, nas asas. Mas a equipa só fez observações nos pêlos sensitivos que têm junto do aparelho bucal. Tal como nós, estes insectos têm células nervosas que se activam quando tocam num alimento para dizer se ele é doce, como o açúcar, ou se é amargo, como o café. Há um papel evolutivo importante nesta distinção: serve para evitar alimentos na natureza que são venenosos.

Fenómeno é global

A equipa comparou baratas normais com aquelas que evitavam o açúcar e verificaram que, nas segundas, a glucose, além de activar as células nervosas associadas ao doce, também activavam as células nervosas associadas ao amargo. “Não sabemos se a glucose lhes sabes realmente a amargo, mas sabemos que activa os receptores neuronais que dão informação do amargo que seriam activados pela cafeína ou por outros compostos amargos”, explica Coby Schal, em comunicado. “Isto faz com que as baratas com aversão ao doce fechem a boca e fujam dali para fora.”

O fenómeno é global. Das 19 populações que os cientistas analisaram, em sete havia baratas que não gostavam de açúcar. Apesar de estas crescerem mais lentamente e de se arriscarem a ingerir comida desconhecida e potencialmente perigosa, o certo é que se adaptaram a um mundo com armadilhas de açúcar.

“Na maioria dos casos, as mudanças genéticas, ou mutações, causam a perda de uma função”, diz o investigador. “Neste caso, a mutação resultou numa nova função. Isto dá à barata um novo comportamento extremamente adaptativo.”

Para Coby Schal, não é certo que esta característica seja nova e causada por um ambiente onde o doce se tornou amargo. Há na natureza muitos compostos adocicados que são venenosos e esta característica pode já ter aparecido há muito tempo nesta espécie e podia estar presente num número muito pequeno de indivíduos. O que é certo é que agora são os humanos que têm de se adaptar se quiserem arranjar novas formas de matar estes insectos.

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