Organização denuncia violações em campos de deslocados na Somália

Human Rights Watch entrevistou 70 pessoas e fala noutros abusos: muitos dos deslocados continuam a passar fome nos campos de Mogadíscio, de onde também não os deixam sair.

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Nos campos de deslocados continua a haver fome porque parte da ajuda humanitária está a ser desviada REUTERS/Feisal Omar

Os deslocados que chegam de toda a Somália aos campos de refugiados da capital, Mogadíscio, estão a ser vítimas de violação, espancamento e outros abusos por membros das forças de segurança e de grupos armados, alerta a Human Rights Watch (HRW) num relatório divulgado nesta terça-feira.

Alguns dos piores abusos envolvem, segundo a organização, violações, ataques físicos, restrições de movimento e no acesso a comida e abrigo e ainda discriminação com base no clã a que pertencem os deslocados que entre meados de 2011 e 2012 deixaram as suas terras e rumaram à capital, tentando fugir aos combates entre o Exército e as milícias Shabaab e à fome, causada por uma grave seca.

Entre os 70 deslocados ouvidos pela organização para o relatório “Hostages of the Gatekeepers”, estão mulheres como Quman, que aos 23 anos diz ter sido violada por três homens que vestiam o uniforme do Exército somali quando estava grávida de nove meses. Ou Safiyo, que perdeu uma perna depois de ter sido violada e terem disparado sobre ela.

E a HRW avisa que a realidade pode ser muito pior: “Muitas das vítimas de violência sexual não reportam as suas experiências às autoridades com medo de represálias dos atacantes, do estigma social e por falta de confiança no sistema judicial”, lê-se no relatório. O pai de uma jovem alegadamente violada por quatro soldados contou que não levou o caso à Justiça porque a família estava a receber ameaças do comandante. “Como é que posso confiar em alguém aqui? Temos de permanecer em silêncio.”

“Em vez de encontrarem um lugar a salvo dos combates e da fome, muitos dos deslocados que vieram para Mogadíscio encontraram hostilidade e abusos”, afirma Leslie Lefkow, vice-director da HRW para o continente africano. “O novo Governo somali deve remediar urgentemente as falhas do anterior, melhorar a protecção e a segurança da população de deslocados e pedir contas aos membros das forças armadas e aos outros responsáveis pelos abusos.”

Os números não são rigorosos porque nunca foram registados, mas as organizações humanitárias estimam que haja entre 180 mil e 370 mil somalis deslocados a viver em Mogadíscio. O actual Governo, que tomou posse em Agosto do ano passado, depois de umas eleições realizadas com o apoio das Nações Unidas, prometeram que até Agosto realojariam as centenas de milhares de deslocados.

Alguns dos deslocados também se queixam de passar fome dentro dos próprios campos por a comida que chega das ajudas estar a ser desviada pelos responsáveis pelos campos. “Não há nada pior do que a situação em que estamos”, disse um outro deslocado citado no relatório, de 30 anos. “Tudo o que queremos agora é entrar num carro e voltar às nossas aldeias. Se aqui posso morrer por não ter comida, então morro na minha aldeia, porque morte é morte.”

Mas há casos em que são impedidos de sair. Segundo o documento, alguns dos responsáveis pelos campos fazem-no para atrair mais ajuda humanitária, que é depois desviada para benefício próprio. “Se tentarmos sair do campo”, contou uma mulher à HRW, “ela [a responsável] tira-nos as tendas. Não temos um plástico, não temos outro abrigo e não temos onde dormir. Por isso temos de ficar aqui como reféns até sermos resgatados.”

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