Sindicatos da Função Pública contestam cortes no Estado e exigem demissão do Governo

Trabalhadores contestam programa de rescisões amigáveis e acusam Governo de denegrir imagem dos funcionários públicos.

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Manifestantes junto ao Ministério das Finanças Rui Gaudêncio
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Algumas centenas de manifestantes concentraram-se diante o Ministério das Finanças ao final da tarde desta sexta-feira, em protesto contra os cortes anunciados pelo Governo no número de trabalhadores da Função Pública, inscritos na Reforma do Estado.

Desde que partiram do Marquês de Pombal e até chegarem à Praça do Comércio, os manifestantes (que inicialmente eram milhares) pediram a demissão do Governo e do Presidente da República. À chegada ao Ministério das Finanças, as forças policiais criaram um cordão para impedir a aproximação dos manifestantes ao edifício do Ministério das Finanças.

A Frente Comum dos Sindicatos dos Trabalhadores da Função Pública, que convocou o protesto, não avança números. Ao PÚBLICO, Luís Pescas, membro da Comissão Executiva da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores da Função Pública e Sociais, disse que a organização não “quer entrar na guerra dos números”, mas disse estar “muito satisfeito” com a adesão ao protesto.

Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, à qual é afecta a Frente Comum, lançou uma questão: “Foi este Governo que há um ano e meio anunciou que a resolução dos problemas do país se resolviam reduzindo os salários aos trabalhadores da Função Pública, não lhes pagando os subsídios, reduzindo as pensões de reforma e anunciando mais despedimentos. Hoje estamos aqui para perguntar: alguma destas medidas resolveu os problemas do país? Não.”

Falando diante do Ministério das Finanças e já só com algumas dezenas de manifestantes presentes, Arménio Carlos afirmou ainda que a apresentação da sétima avaliação da troika, na manhã desta sexta-feira, “foi a afirmação clara do fracasso de uma política que está de costas voltadas para quem trabalha”.

“O que nós precisamos é que este Governo se vá embora e que leve com ele estas políticas”, disse Arménio Carlos. Em relação ao corte de 4000 milhões de euros na despesa do Estado e, por arrasto, ao processo de rescisões amigáveis na Função Pública, Arménio Carlos contestou: “Se querem reduzir a rentabilização da administração pública, aqui estão os sindicatos. Mas estão aqui não é para discutir o maior despedimento colectivo dos últimos tempos”.

“É tempo de o Presidente da República se pronunciar e ter a coragem que ainda não teve e demitir este Governo”; disse o dirigente sindical.

A manifestação foi agendada após de ser conhecido o estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o anunciado corte de 4000 milhões de euros na despesa do Estado. O relatório apresentava o sector público como a área em que o Estado podia conseguir a maior fatia de poupança, através do despedimento de até 120 mil funcionários públicos.

Também nesta sexta-feira, o Governo anunciou que avançará já em 2013 com um programa de rescisões amigáveis com funcionários públicos, confirmando os receios dos sindicatos, que já antecipavam este processo.

Dirigindo-se aos manifestantes, Ana Avoila, presidente da Frente Comum, afirmou que a redução da Função Pública “é dizer aos professores, que educam as nossas crianças e o nosso futuro, que não têm condições profissionais”: “(…) É dizer aos enfermeiros que façam turnos em cima de turnos, sem receber qualquer subsídio e sem respeito pela sua vida pessoal.”

Ana Avoila afirma que o Governo e o FMI estão a tentar denegrir a imagem dos funcionários públicos nacionais, alegando que estes são privilegiados em relação ao sector privado. “Nós, os trabalhadores que asseguramos que a nossa Constituição é cumprida todos os dias, há décadas que sofremos com as políticas dos sucessivos Governos e com a brutal manipulação da opinião pública para que os cidadãos estejam contra nós.”

Deste programa de rescisões amigáveis sabe-se apenas que gerará uma poupança de 500 milhões de euros, já parte do bolo total dos 4000 milhões de euros de corte na despesa do Estado anunciado pelo Governo. De resto, não são conhecidas as fontes de financiamento do programa, o número de trabalhadores abrangidos ou a área de trabalho.

A ameaça de rescisões amigáveis já pairava sobre os trabalhadores do Estado. No entanto, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro antecipou nesta sexta-feira que o programa avançará já em 2013. Durante a conferência de imprensa de apresentação dos resultados da sétima avaliação da troika, Carlos Moedas, que acompanhava a equipa do ministro das Finanças, anunciou também que o “corte estrutural foi pensado em colaboração com todos os ministérios”.

Em Janeiro, sindicatos e Governo negociaram o valor das indemnizações por rescisão na Função Pública, que ficou estabelecido nos 48.500 euros. A Frente Comum rejeitou sempre a modalidade de rescisão amigável, tal como rejeita o corte no número de trabalhadores no Estado.

48.500 euros não compram postos de trabalho
Diante do Ministério das Finanças, Luís Pescas não se mostrou desiludido com o facto de Vítor Gaspar se encontrar em Bruxelas, na reunião dos ministros das Finanças da zona euro, e não em Lisboa, onde decorreu a manifestação.
“O que nós queremos é que ele vá embora de vez”, disse ao PÚBLICO o sindicalista. “Não aceitamos que o Governo faça cortes nas funções sociais do Estado”.

Maria de Lurdes, funcionária no próprio Ministériodas Finanças diante o qual se manifestava, é clara, quando questionada se aceitaria uma rescisão amigável com o Estado: “Nunca aceitaria. Nunca venderia o meu posto de trabalho”.
A funcionária pública alerta que dificilmente se atingirá o valor máximo de 48.500 euros de indemnização por rescisão amigável, isto porque existem várias condicionantes até que se atinja o valor mais alto. “Essa remuneração é fictícia e absolutamente inaceitável”, afirmou ao PÚBLICO.

José Pereira, reformado de 61 anos, contesta a própria noção de rescisão amigável: “Quando se entra num processo de rescisão amigável, as duas partes têm de vir em boa-fé. Mas isto é imposição da troika e deste Governo de extrema-direita”.

“Isso é que é boa-fé? Criar precariedade?”, contestou o manifestante. “Ao fim de tantos anos de funcionalismo, o meu contrato foi completamente alterado ao longo do tempo”, disse ainda.

Um segundo trabalhador no Ministério das Finanças, que preferiu não ser identificado, avança que, mesmo que conseguisse os 48.500 euros, este montante não lhe bastaria para dois anos. Isto porque, garante, “é impossível” arranjar emprego depois da rescisão amigável, uma vez que já está na casa dos 50 anos.

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