Crise faz consumo de papas aumentar 7%

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Um prato da papa da Nestlé, que é produzida em Avanca, custa cerca de 23 cêntimos

A facturação da Nestlé caiu 6% no primeiro semestre, mas a marca de papa que o grupo comercializa viu a facturação aumentar.

Uma refeição que custa 23 cêntimos ganha outro significado quando o orçamento familiar está em derrapagem. Por isso, a Nestlé já sabia que as vendas da sua histórica marca Nestum iriam crescer com a crise.

Contudo, o gigante alimentar não contava com uma subida tão expressiva, em total contraciclo com a quebra geral do negócio da multinacional em Portugal: mais 7% no primeiro semestre em comparação com o mesmo período do ano passado, que corresponde a um acréscimo de 140 toneladas.

António Reffóios, director-geral da Nestlé, não esconde a surpresa. "Já contávamos com esta tendência porque em 2003, um ano também difícil, o consumo de Nestum cresceu. Mas não esperava que o aumento atingisse este nível. Nos tempos que correm um mercado que cresce mais de 5% é dinâmico", resume.

Há nove anos, Portugal estava em recessão e a economia caía 0,9%. O país estava "de tanga", vaticinava Durão Barroso quando chegou ao Governo em 2002. As vendas desta marca de papa também cresceram mas, hoje, a diminuição do rendimento das famílias é maior. Não são só as crianças entre os três e os 10 anos que estão a comer mais Nestum. Também os mais velhos, acima dos 60, substituem o jantar ou o almoço por um prato de papa que "custa menos do que um café e é nutricionalmente equilibrado", sublinha António Reffóios.

A mudança dramática dos hábitos dos consumidores, impulsionada pela crise, trouxe surpresas para a indústria do grande consumo, cujo mercado está a cair 0,5% (dados Nielsen citados pela Nestlé). As marcas de fabricante recuaram 4,1% e as da grande distribuição, pelo contrário, dispararam 7%. Em Portugal, as vendas líquidas da multinacional Suíça desceram 5,7%, para 230 milhões de euros nos primeiros seis meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2011, abaixo das estimativas iniciais. "Prevíamos um ano que poderia estar entre uma quebra de 2% ou 0% de evolução", revela o director-geral.

O desempenho, pior do que o esperado, tem múltiplas explicações. Um quarto das famílias começou a ter dificuldades em pagar as suas despesas correntes e os portugueses passaram a consumir mais em casa, poupando nos gastos com cafés e restaurantes. No caso da Nestlé, que detém as marcas Buondi ou Sical, as vendas no canal horeca pesam 40% no negócio. Depois, o aumento dos custos com matérias-primas, combinado com a subida do IVA em Janeiro fizeram disparar os preços ao consumidor entre 8 a 10% no mercado global, retraindo ainda mais o consumo. As vendas dos produtos abrangidos pela alteração das taxas do imposto – que vão desde um simples puré de batata, às pizzas congeladas ou frutos secos e fiambre – desceram em geral 8%.

Na Nestlé, sentiu-se ainda uma descida de 1,7% das exportações. "Há mercados para onde exportamos que também estão a sofrer, sobretudo na Europa, o destino principal dos nossos produtos", explica António Reffóios.

Com as atenções viradas para o preço mais baixo, os portugueses passaram a fazer mais refeições em casa e, por isso, o leite condensado e as tabletes de chocolate de culinária da Nestlé cresceram nos primeiros seis meses do ano. A empresa de origem suíça tem vindo a adaptar-se aos novos tempos e deu prioridade a produtos acessíveis a todas as bolsas, denominados internamente de "produtos de posicionamento popular".

Nesta lista com mais de 30 referências está a papa Nestum, os chocolates Rajá, os mini KitKat, embalagens de 20 gramas de Nescafé (e não de 50 gramas) ou o Directo ao Forno, da Maggi, que depois do sucesso inicial, registou descidas neste primeiro semestre.

Os mais resistentes ao contexto são os chocolates (cujas vendas se mantiveram iguais) e o mercado de comida para animais, que aumentou 3% e já pesa 10% (40 milhões de euros) nas receitas globais.

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