Quando o Fisco sueco sai à rua consegue resultados

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A Agência Tributária Sueca faz visitas anónimas a restaurantes para verificar se os recibos são dados Foto: Sara Matos/Arquivo

Um dos problemas principais na Suécia é o trabalho não declarado, sobretudo no comércio e na construção. No início, o Fisco tentou usar métodos indirectos para determinar a facturação efectiva, mas tinham fracos resultados em tribunal. A Agência Tributária sueca arranjou então uma forma rápida de combater o trabalho clandestino. Mas teve de enviar os seus inspectores para a rua.

Criou-se um livro em que diariamente o dono do estabelecimento tem de indicar quem está ao serviço nesse dia e o livro terá de estar acessível aos fiscais que batam à porta.

"Temos feito muito deste tipo de inspecções. O que é interessante é que, quando a legislação foi introduzida em 2007, íamos pelas ruas e detectamos que havia restaurantes que nem estavam registados", conta Martin Solvinger, um dos responsáveis da administração fiscal sueca pelo combate à fraude e evasão fiscais. "Mesmo em 2006, antes da legislação ser aprovada, o numero de empresas registadas subiu exponencialmente, apenas porque comunicámos o que íamos fazer. Com esta estratégia que apenas toma alguns minutos ao nosso fiscal, conseguem-se realizar oito visitas por dia. Arrecadámos muitas receitas fiscais."

Só nos restaurantes, conseguiram legalizar 6 mil postos de trabalho. "E o mais importante para o Fisco sueco foi que, pela primeira vez, os proprietários dos restaurantes encontraram-se com um inspector fiscal. "Por isso, foi essencial treinarmos os inspectores, para saberem como se comportar e lidar com as pessoas. Esforçámo-nos muito. É que ele não é só um inspector: é um embaixador da administração fiscal", continua Martin Solvinger. "Vão fazer-lhe perguntas sobre reembolsos fiscais e o inspector terá de estar preparado para encaminhar a questão para a pessoa adequada. Foi uma forma de construir confiança junto dos contribuintes".

Também ajudou a cooperação com a associação dos comerciantes - interessada em combater a concorrência desleal. "Essa foi a chave do sucesso para a introdução de caixas registadores certificadas". Cada caixa registadora tem uma black box que pode ser desconectada da caixa registadora. "Ainda não descobrimos ninguém que tenha sido capaz de "entrar" nela. Mas o principal risco não é o de manipulação da black box, mas precisamente o de a facturação não ser registada. Procedemos da mesma forma que com os livros dos restaurantes, mas também fizemos visitas anónimas. Para ver se estão a dar recibos aos clientes, os inspectores fingiram que eram clientes para verificar se lhes era dado recibo. E estimar a dimensão dos recibos que não eram integrados na contabilidade".

Quantas pessoas colocou o Fisco na rua para essa operação? "Em 2010, colocámos muitas pessoas. Era um compromisso que fazíamos não só com o Governo, mas também com os comerciantes. A associação dos comerciantes esperava que realizássemos uma operação em larga escala porque era a forma de dar a conhecer a nova legislação e pôr na ordem as pessoas que não a aplicavam. E progressivamente fomos diminuindo o número de visitas. No primeiro ano, tivemos 50 mil visitas, o que é muito já que o número de comerciantes é de 80 mil. Quase todos foram visitados."

Mas a estratégia de longo prazo é reduzir os esforços no sector comercial. E isso porque - sustenta-se - trata-se de pequenas empresas com pequenas evasões fiscais. O fulcro da evasão não se encontra aí. A ideia é, no longo prazo, concentrar os esforços da administração fiscal em zonas mais complexas de evasão, como a construção. "Porque é aí que está a maior parte das fugas. E isso está a prejudicar mais a sociedade do que o comércio", afirma Martin Solvinger.

Ministro não mexe no Fisco

Na Suécia, o Fisco tem um estatuto diferente do português. É autónomo e estabelece as suas próprias missões, sem o aval da decisão política.

"O ministro das Finanças não pode dar ordens ao director-geral sobre matérias fiscais", explica ao PÚBLICO Lars Ake Leijkvist, director do planeamento. "As suas decisões apenas se expressam pela mudança da lei e alterações especiais, mas não podem interferir no funcionamento da administração fiscal.

A Agência Tributária sueca passou, há anos, por um processo de fusão semelhante ao português. Mas ao contrário de Portugal, todo o processo demorou mais de um ano a debater-se. Apesar de "algumas culturas diferentes entre regiões, não houve muitos problemas", conta Leijkvist. O equilíbrio encontrou-se com a atribuição de missões centrais às regiões. Estocolmo passou a liderar as transacções internacionais. A região Oeste a actividade comercial.

Essa solução decorre muito da forma sueca de trabalhar. Ninguém impõe nada vindo de cima. Isso é bom porque quando se inicia não é uma surpresa. A desvantagem é que pode ser um longo processo de decisão.

Lars Ake Leijkvist ironiza: "A Suécia é um país muito frio, por isso temos de cooperar para sobreviver no Norte".

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