Suécia acabará com economia paralela dentro de cinco anos

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Na Suécia, os dados fiscais são públicos Foto: Bob Strong/Reuters

Os responsáveis da autoridade fiscal da Suécia esperam que, dentro de cinco anos, a evasão fiscal deixe de ser relevante para as contas públicas do país, afirmaram ao PÚBLICO os responsáveis da unidade de planeamento e combate à fraude e evasão fiscais da Agência Tributária sueca.

"Dentro de 4 a 5 anos, talvez a evasão fiscal não seja mais um grande tema de debate. Na minha visão, acho que a evasão fiscal deixará de ser relevante", disse ao PÚBLICO, em Estocolmo, Martin Solvinger e Lars Ake Leijkvist, dois dos dirigentes da Agência Tributária.

Esse objectivo será conseguido, em primeiro lugar, porque a economia paralela já é bastante baixa. Estima-se que seja apenas 10% do PIB, quando a de Portugal está acima dos 20% (OCDE). O hiato fiscal entre a receita potencial e a cobrada foi estimado, no Outono de 2007, em 133 mil milhões de coroas, ou seja 5% do PIB.

Em segundo lugar, essa eficácia parece dever-se aos meios de investigação atribuídos à autoridade tributária pela lei sueca. Algo que está a anos-luz do que se passa, por exemplo, em Portugal, onde reina a defesa da "privacidade" dos contribuintes.

"Se há uma suspeita sobre uma dada empresa, podemos ir aos bancos, pedir informação sobre esse contribuinte. E eles são obrigados a dar-nos", afirma Martin Solvinger. "Não temos de a justificar, mas também não podemos fazer expedições para ver o que dá. Temos um extenso acesso a informação. E não depende de autorização do director-geral". É o que se passa, igualmente, com os cartões de crédito.

Depois, o Fisco sueco tem ainda a liberdade de criar bases de dados dos contribuintes, que talvez assustasse a comissão portuguesa de Protecção de Dados Pessoais. Mais recentemente, a Agência Tributária sueca alimentou a base de dados com elementos recebidos dos offshores, através de uma multiplicidade de acordos de troca de informação, que se têm revelado mais eficazes do que se esperava.

Finalmente, a justiça tributária sueca é mais severa e efectiva. Só entre 2005 a 2010, dos 4690 sentenças por crime fiscal, um terço correspondeu a penas de prisão efectiva (1028 prisões), outro terço a penas suspensas e 16% penas remíveis a multa. Já em Portugal, o Ministério Público tende a arquivar os processos de contribuintes que paguem os impostos em falta, o que reduz substancialmente o risco de ser apanhado. De 2005 a 2010, só houve 83 penas de prisão efectiva - 0,7% das 11743 sentenças por crime fiscal. Do total de sentenças, três quartos foram condenados a multas, houve 17,2% de penas de prisão suspensas e 1,3% com penas de prisão remível a multa.

Impostos directos pesam

Esta capacidade de procurar o rendimento não declarado e de punir pode contribuir para explicar as diferenças de repartição da receita fiscal entre a Suécia e Portugal. Enquanto que, em Portugal, a tributação sobre o rendimento é de apenas 40% das receitas cobradas, na Suécia chega aos 55%.

Outra das vantagens dos meios de investigação é a de "traçar um retrato mais efectivo dos grupos de contribuintes que podem estar a fugir aos impostos" e de aumentar a eficácia do trabalho do Fisco. Foi através dessa informação e de estimativas macroeconómicas que, no final de 2007, se chegou ao mapa da evasão fiscal (ver ao lado). O PÚBLICO tentou perceber se em Portugal esse tipo de análise existe, mas não obteve resposta por parte do Ministério das Finanças.

"Este mapa permite dizer a estas pessoas que vamos olhar para eles e de certa forma influenciar o seu comportamento", afirma Martin Solvinger. "E ajuda-nos a explicar as tendências ao Governo, aos contribuintes e ajudar o debate político".

Os responsáveis da autoridade fiscal sueca estão conscientes de que os valores do mapa estão desactualizados. "A sensação que temos é a de que a componente internacional está demasiado baixa", afirma Martin Solvinger. Mas não devem andar muito longe da realidade - os seus valores estão próximos da média dos países nórdicos.

Dados fiscais são públicos

Em terceiro, há um elemento que é estranho em Portugal, onde o sigilo fiscal é protegido por lei. Toda a informação fiscal na Suécia é pública.

Cada decisão tomada pelo Fisco pode ser conhecida. "O que quer dizer que se estivermos a auditar um restaurante, uma empresa, e detectarmos que estiveram a esconder rendimento ou o que seja, fazemos um ajustamento e quando essa decisão for enviada ao contribuinte é pública, para que toda a comunidade saiba", afirma Martin Solvinger.

Quem os quiser conhecer, tem apenas de se deslocar aos serviços fiscais. "É possível pedir que tipos de decisões foram adoptadas para uma dada empresa, um dado contribuinte ou, por exemplo, todas as decisões da última semana". Há um terminal em que a informação é consultável.

Isso traz vantagens? "Sim e não", responde Martin Solvinger. A divulgação poderá melindrar alguém em particular. Mas as vantagens ligam-se à responsabilidade social. É já uma tradição que, em Agosto e Dezembro de cada ano, os jornais se encham de dados fiscais de figuras públicas, listagens de contribuintes que ganham acima de um dado rendimento.

E para a eficácia da agência, seria melhor ser secreto? "É um mix. A confiança ganha-se porque se mostra como trabalhamos. É dessa forma que influenciamos o contribuinte normal, da rua. "Eles estão a apontar para quem foge aos impostos e isso faz-me confiar e aceitar pagar os meus". Porque um dos principais problemas do contribuinte normal é saber que os que fogem são apanhados e julgados em tribunal", explica Martin Solvinger.

O mesmo se passa com as decisões sobre a interpretação da lei. Em Portugal, é frequente haver decisões contraditórias porque nem todas as decisões são publicitadas. E os fiscalistas queixam-se da demora nos esclarecimentos. Na Suécia, todas as decisões adoptadas pelo Fisco são conhecidas e publicitadas no website.

"É a nossa interpretação. Mas o contribuinte pode não concordar, dar razão aos seus advogados e tentar a correcção dos actos da Autoridade. E é o tribunal que decide. E nesse caso teríamos de a corrigir."

Estes são apenas alguns elementos que poderão ajudar a nova Autoridade Tributária e Aduaneira portuguesa, que, desde 1 de Janeiro de 2012, fundiu as três direcções gerais da administração fiscal - a DGCI, a DGAIEC e a DGITA.

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