Os festivais de música são um presente de sucesso e têm futuro risonho

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Os festivais tornaram-se eventos indispensáveis nas agendas lúdica e cultural do Verão Paulo Pimenta

Chegámos ao final de mais um ciclo dos grandes festivais de Verão com 330 mil espectadores nos cinco dias de Rock In Rio, uma média diária de 40 mil no Sudoeste e o último dia do Optimus Alive esgotado 16 dias antes. Em Portugal, o número de concertos e os lucros daí resultantes têm crescido consistentemente ao longo da última década, no que acompanham a tendência mundial. Temos, dizem os agentes, um mercado solidificado e rentável, que já pertence ao circuito mundial de festivais. E atractivo, pelos preços baixos e pelo clima, ao crescente público estrangeiro que nos visita. Não há crise. Os festivais crescem e estão para ficar.

Dos Estados Unidos, porém, soou recentemente o alarme. As receitas das cem maiores digressões americanas caíram 17 por cento no primeiro semestre e o preço médio dos bilhetes, perante a quebra na procura, baixou em 2009 pela primeira vez em mais de uma década. Em Inglaterra, por outro lado, o mercado da música ao vivo continua a crescer, mas a um ritmo mais lento que anteriormente: de 13 por cento, em 2009, para 9,4, em 2010. Os dados referem-se, contudo, ao mercado da música ao vivo no geral. Quanto aos festivais, não parecem estar a ser afectados.

"Vejo um futuro risonho para esta indústria", declara Álvaro Covões, da Everything Is New, a promotora do Optimus Alive, que se realiza em Julho no Passeio Marítimo de Algés e que este ano teve esgotado o último dia, aquele em que actuavam Pearl Jam e LCD Soundsystem. "Há festivais para públicos distintos", o que permite chegar a mais pessoas, aponta Jwana Godinho, da Música No Coração, a empresa que ergue o Sudoeste, na Zambujeira do Mar, ou o Super Bock Super Rock, que se deslocou este ano para o Meco. "Em alturas de crise, as pessoas querem escapar, querem divertir-se, e um festival oferece essa possibilidade", diz João Carvalho, da Ritmos, promotora do festival Paredes de Coura, desde há uns anos um santuário indie a norte.

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2001, 3,8 milhões de pessoas assistiram em Portugal a espectáculos ao vivo (teatro, ópera, dança, tauromaquia e concertos de música clássica e "ligeira"), gerando receitas de 17,9 milhões de euros. A expressão artística com maior peso era então o teatro, a que correspondia um quarto dos espectadores totais. A música "ligeira" tinha uma fatia de 19 por cento de espectadores, mas em 2005 destacou-se: passou a congregar 34 por cento dos espectadores e 42 por cento das receitas. Em 2001, 734 mil pessoas assistiram a concertos de música "ligeira" em Portugal; em 2008, o número de espectadores tinha aumentado para 4,4 milhões e as receitas ascenderam a 39 milhões de euros.

Segundo Álvaro Covões, o crescimento deve-se "à criação de hábitos de cultura e espectáculo que não existiam". Nos anos 90, recorda, "tínhamos um concerto por mês", cenário que contrasta com a oferta actual. Com os músicos mais disponíveis para digressões devido à quebra acentuada na venda de discos, e com o público habituado à experiência do concerto, os festivais tornaram-se parte de um roteiro que já não é apenas melómano.

Em 2010, em Portugal, tivemos os históricos Sudoeste (média diária de 40 mil espectadores) e Paredes de Coura (cerca de 20 mil). Tivemos o recente Optimus Alive, que se realizou pela primeira vez em 2007 e é agora um dos principais festivais portugueses (média diária de 40 mil espectadores) e o renovado Super Bock Super Rock no Meco (média de 24 mil). Mas o mapa mostra uma realidade bem mais diversa, onde coexistem o Músicas do Mundo de Sines e o Med em Loulé, orientados para a world music, o Super Bock Surf Fest, realizado em Sagres e dedicado ao reggae, o Marés Vivas em Gaia, que se vem solidificando como o grande festival urbano da Zona Norte, ou o Andanças, em São Pedro do Sul, que celebra a música e as danças tradicionais.

Jwana Godinho, que nos falou desde o supracitado e esgotado Super Bock Surf Fest (lotação máxima de 15 mil pessoas por dia), refere que esta variedade é parte da história de sucesso dos festivais em Portugal: "São em maior número mas diversificaram-se, o que permite chegar a vários públicos".

Este foi também ano do bianual Rock In Rio (média de 66 mil espectadores), o festival que trouxe consigo, em 2004, data da primeira edição em Portugal, um conceito em que os concertos se cruzavam com um ambiente de parque temático. Ou seja, para além dos palcos, havia a forte presença de patrocinadores e das animações e promoções a eles ligadas.

O factor preço

Os representantes das promotoras referem que as parcerias com patrocinadores são praticamente indispensáveis à realização dos festivais. O Optimus Alive teve custos reais para a Everything is New de 4,6 milhões de euros. O montante investido pelo patrocinador oficial não é revelado, mas Álvaro Covões garante ser essencial para o festival: "São os patrocinadores que garantem que os bilhetes sejam mais baratos", quando comparados com os preços de outros países europeus: "A [revista] Uncut escrevia [em 2008] que, mesmo com bilhete de avião incluído, era mais barato vir ao Optimus Alive que ao [festival] de Reading".

Jwana Godinho, da Música no Coração, não revela qual o orçamento do Sudoeste, mas aponta na mesma direcção que Covões. João Carvalho, que organiza o Paredes de Coura sem patrocinador oficial, com um orçamento de dois milhões de euros e o apoio da câmara a nível de infra-estruturas, reconhece que a dependência total da bilheteira é um "risco tremendo": "O festival acaba por se pagar a si mesmo, mas estamos sempre com receio que chova e que os bilhetes vendam menos". Para Carvalho, Paredes de Coura devia ter um apoio óbvio, "o Turismo de Portugal". O público espanhol marca sempre presença em números muito consideráveis e é um grande factor de promoção da região, até pela repercussão que acaba por ter na imprensa estrangeira. "Este ano, tivemos 60 jornalistas estrangeiros acreditados, não só espanhóis mas também italianos ou gregos".

As notícias vindas dos Estados Unidos ou de Inglaterra não assustam os promotores portugueses. É certo que, como aponta João Carvalho, "os cachets são cada vez mais caros e que as grande bandas só tocam onde e quando querem". Porém, acredita que "o mercado não se ressentirá". Há cada vez mais festivais e, com o mercado de Leste, mais haverá, refere. Jwana Godinho, reconhecendo que "este não é o negócio mais rentável do mundo", não vê razões para pessimismo. "Os festivais em Portugal são uma aposta relativamente barata de entretenimento, com grande grau de satisfação." São, digamos, uma boa solução de férias em tempos de crise: "No Sudoeste, o público tem vários dias de descanso com campismo, praia e muita música. Tudo por 90 euros".

Álvaro Covões, por sua vez, é declaradamente optimista. "Apesar das dificuldades que vivemos em Portugal, o nível de vida tem subido. E o entretenimento, os concertos ou os festivais já estão no cabaz das necessidades das pessoas".

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