Yanis Varoufakis: radical moderado e economista acidental

Dos jogos de computador à crise da dívida, o novo ministro das Finanças grego tem ideias pouco convencionais. Gosta de tentar o que outros consideram impossível.

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Estudou matemática e economia em Inglaterra. Viveu em Sydney e dava aulas nos EUA ARIS MESSINIS/AFP

“Tudo começou com um estranho e-mail”, conta Yanis Varoufakis. Ele era, até à crise, um economista que vivia no seu “casulo académico” e escrevia livros “esotéricos” para algumas “centenas de casos clínicos”, economistas como ele, lerem. Com a crise financeira nos EUA, e a sua metástase europeia, que arrastou a Grécia para o que hoje sabemos (e não só a Grécia…), Yanis transformou-se numa “celebridade menor”. O seu livro Minotauro Global, e sobretudo o facto de viver em Atenas e ser doutorado em Economia, levaram-no a ser uma voz reconhecida. Aparecia na BBC, na CNN, na Bloomberg. Daí o e-mail “estranho”.

Por pouco, garante, não o apagou. Era o que fazia às mirabolantes propostas e pedidos que recebia, nessa altura: Como investir na criação de porcos no Norte da Grécia? Quer ser meu sócio? Este e-mail vinha assinado por um tal de Gabe Newell, o presidente da empresa Valve, de Seatlle, EUA.  Newell era um ex-quadro da Microsoft que lançara uma empresa de vídeo-jogos, a tal Valve, mas Varoufakis não era cliente, nem sequer conhecia nenhum jogo desde que deixara de jogar Space Invaders lá para os idos de 1981 (não parece, mas o economista já tem 53 anos…).

Resumindo: a Valve, que é uma companhia de “organização horizontal”, sem chefias nem planificação central de trabalho – cada funcionário decide basicamente o que quer fazer, e como – queria contratá-lo para ser o “economista residente” da empresa. E solucionar um problema económico virtual num dos seus jogos. Varoufakis aceitou, porque ao contrário da realidade, o ambiente “virtual” permite-lhe estudar em retrospectiva o desempenho macroeconómico. E a própria Valve, com a sua estrutura “horizontal” permitia-lhe assistir a uma nova forma de funcionar da economia (Varoufakis costuma ser quase sacrílego, elogiando, do seu ponto de vista neo-marxista, as virtudes do mercado e questionando a ausência total de relações de mercado na forma como as empresas, centralizadas e planificadas, funcionam).

É este o “radical” que a imprensa europeia tem destacado no elenco governativo, liderado por Alexis Tsipras, que saiu das eleições gregas do passado domingo. O próximo episódio demonstra como, além de radical, Varoufakis tem muito de moderado. Pouco tempo depois de ser convidado pela Valve, em Dezembro de 2011, Yanis está em Bruxelas, a falar a uma plateia de eurodeputados de esquerda. Está numa mesa, acompanhado por Stuart Holland, seu amigo, inglês, e por Rui Tavares, então eurodeputado dos Verdes. Holland e Varoufakis eram os autores de uma “modesta proposta” para salvar o euro. E era esse o tema da sessão. Um dos presentes na plateia, um nórdico de sotaque carregado, pergunta-lhe se aquela proposta não era apenas uma panaceia para salvar o capitalismo de uma inevitável agonia. Varoufakis começa a responder-lhe assim: “Camarada (pausa)… Se estamos à beira de um precipício, talvez queiramos resolver primeiro esse problema para, depois, sabermos o que queremos fazer no futuro.”

E é a maneira como pretende resolver o problema do “precipício” que torna Varoufakis num político, e economista, sui generis. A sua (e de Holland) “modesta proposta” era apresentada como a quadratura do círculo do principal problema europeu.  Não pretendia “solidariedade” do Norte da Europa, nem implicava uma “mutualização” da dívida entre Estados. A proposta assenta num "aval" do Banco Central Europeu (BCE) até um limite de 60% da dívida face ao PIB de todos os Estados do euro (para cumprir as metas de Maastricht). Esse aval traduz-se numa "conta" que cada Estado abre no BCE e cujo valor tem de amortizar. A dívida mantém-se, mas garantida pelo "fiador", o BCE. Não envolve nenhuma mutualização da dívida (os contribuintes alemães não têm de financiar as dívidas dos outros países). Na altura, Varoufakis explicou o que, hoje, parece mais consensual: “O que nós dizemos é que o problema tem de ser combatido em três frentes. Temos uma crise de dívida, uma crise bancária e uma crise de crescimento. Sem combatermos as três, não se resolve o problema.” Os apoios que recebeu, então, iam de Jacques Delors a Giuliano Amato, de Felipe González a Guy Verhofstadt. Até o ex-ministro das Finanças de Berlusconi, Giulio Tremonti, apoiou a proposta.

Varoufakis fora, entre 2004 e 2006, conselheiro do ex-primeiro-ministro Papandreu, embora a sua proximidade com o Syriza fosse conhecida. Estudou matemática e economia em Inglaterra. Viveu em Sydney, Autrália (tem dupla nacionalidade), onde casou pela primeira vez e onde ainda reside a sua filha. Deu aulas em várias universidades, mas encontrava-se actualmente ligado à Lyndon B. Johnson Graduate School of Public Affairs da Universidade do Texas.

É um conhecedor da situação portuguesa . Foi um dos primeiros subscritores internacionais do manifesto pela reestruturação da dívida portuguesa, e um dos que mais assinaturas de colegas recolheram… É também membro da “rede Ulisses”, criada por Rui Tavares, que procura relançar a economia europeia através de investimentos no Sul. No passado domingo, aliás, Rui Tavares felicitou-o pela vitória do Syriza, no Twitter. Varoufakis respondeu logo: “Obrigado Rui. Agora é a tua vez.”

Quando entrar na sua primeira reunião do Ecofin – o conselho de ministros europeus das finanças – Varoufakis será precedido por esta imagem de “celebridade” e de “iconoclasta”. Ele, que diz ser um “economista acidental”, terá agora de resolver problemas bem reais.

Veja o perfil completo na Revista 2 do próximo domingo

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