Vodafone denuncia vigilância directa e permanente de conversas por alguns governos

Serviços de informação de cerca de seis países têm acesso directo e permanente, de modo legal, a dados e conteúdos de conversas telefónicas sem terem sequer de pedir à empresa.

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A Vodafone opera em 29 países Stefan Wermuth/Reuters

A Vodafone tornou-se a primeira operadora de telemóveis a divulgar procedimentos dos governos para ouvir comunicações móveis, revelando a existência de canais directos de acesso à sua rede (e às de outras operadoras), que permitem às agências de informação dos países ouvir e gravar conversas sem que a operadora saiba quem é atingido nem porquê, e sem que o público possa ter uma noção da escala da vigilância.

“Governos terem acesso a telefonemas com um toque num interruptor é algo que não tem precedentes e é aterrorizador”, comentou ao diário britânico The Guardian o director da organização não governamental Liberty, Shami Chakrabarti.

“Estes são os cenários de pesadelo que estávamos a imaginar”, reagiu Gus Hosein, director executivo da Privacy International, que tem vários processos legais contra o Governo britânico pela vigilância em massa dos cidadãos.

O acesso directo não existe no Reino Unido, o primeiro mercado da Vodafone (hoje com 400 milhões de clientes) e a sua base, já que no país é necessário um mandado judicial para escutas, diz a empresa. Mas entre os 29 países em que a Vodafone opera (tão diferentes como do Congo ao Egipto, da Austrália à República Checa, do Lesoto a Espanha, da Nova Zelândia à Grécia ou a Portugal) há “cerca de seis países” em que a lei obriga, ou permite, a instalação deste canal directo. A empresa diz que não os nomeia por ter medo de que o seu pessoal seja preso em retaliação. 

A Vodafone é a primeira operadora de telecomunicações a apresentar um estudo global das práticas legais, mas desconhecidas do público, dos governos, e prometeu relatórios anuais. Não disse porque escolheu fazer estas revelações agora, mas tem uma posição crítica. “O modelo de acesso directo existe”, repetiu o responsável pela privacidade da Vodafone, Stephen Deadman. “Pedimos o fim do acesso directo como meio de as agências governamentais obterem os dados de comunicação das pessoas. Sem um mandado oficial, não há visibilidade externa.” 

A empresa quer que as autoridades sejam submetidas a um “escrutínio regular por uma autoridade indepentente” e defende ainda que os Estados publiquem anualmente o número de pedidos de informação que fazem. A Vodafone não pode divulgar os pedidos legais nem se é feita a recolha de quaisquer dados nalguns dos países em que opera, como o Egipto, Índia, Qatar, Roménia, África do Sul e Turquia. Noutros três (Albânia, Hungria e Malta), a lei permite apenas a divulgação de pedidos de acesso a metadados de comunicação (quem ligou a quem e a que horas, por exemplo), da própria empresa e não a conteúdo. 

Malta é um dos países que mais pedidos fizeram em relação à população, aponta o Guardian, com 3773 em 420 mil habitantes. A Hungria, com pouco menos habitantes que Portugal, tem muito mais pedidos: 75.938 contra 28.145. Itália destaca-se em pedidos tanto de metadados como de escutas de conteúdo (605.601 e 140.577 pedidos, respectivamente).

Em termos de acesso a conteúdo de conversas, a Alemanha fez 23.687 pedidos enquanto a mais pequena Holanda fez 43.956. Muitos países não têm dados relativos ao conteúdo neste relatório (França, Bélgica, Portugal e Espanha, por exemplo). 

A posição das empresas telefónicas tem sido diferente das de Internet – o Guardian lembra que precisam de licenças dos governos para operar. Até agora, a operadora alemã Deutsche Telekom e a Telstra na Austrália divulgaram dados dos seus países. Nos EUA, fizeram o mesmo a Verizon e a AT&T. 

Após as revelações da extensão da espionagem por parte das agências de segurança feitas pelo antigo analista de segurança Edward Snowden, empresas como a Apple e Microsoft, e também Google, Yahoo ou Facebook, publicaram dados e iniciaram processos judiciais pelo direito de divulgar mais informação. Mais, algumas destas empresas já avisaram que vão começar a ignorar as ordens e a avisar os utilizadores de pedidos de dados feitos pelas autoridades, segundo noticiava recentemente o jornal norte-americano Washington Post.

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