Vira o disco e toca a mesma?

Aprendamos a ser mais como os sobreviventes e menos como os terroristas. Só isso já seria um bom começo.

Este século tem sido dominado por períodos de sete anos. De 2001 a 2008, sete anos de “guerra global contra o terror”. De 2008 a 2015, sete anos de crise financeira.

E agora? Ao ouvir o discurso de anteontem de François Hollande — “o pacto de segurança tem prioridade sobre o pacto de estabilidade” — a primeira sensação é a de que a única coisa que pode vencer a obsessão atual é um regresso à paranoia anterior. Só o securitarismo pode vencer o austeritarismo.

A Comissão Europeia confirmou imediatamente essa ideia, demonstrando uma compreensão com a necessidade de novos gastos policiais e militares em França que não demonstrou com os gastos sociais na Grécia, nem com o cumprimento da Constituição em Portugal, nem com o desemprego jovem em toda a Europa do Sul.

O regresso ao passado sente-se também nos termos em que a discussão sobre os refugiados deu uma volta de 180 graus em poucas semanas. Independentemente de serem cidadãos europeus todos os terroristas até agora identificados como tendo perpetrado os ataques da passada sexta-feira, a mera possibilidade de haver um refugiado entre eles levantou o coro das vozes da “segurança primeiro” contra as pretensões humanitárias (“segurança para nós e fechemos os olhos enquanto os outros morrem afogados”). Ignoram, é claro, que a reinstalação de refugiados deve ser feita a partir do próprio campo de refugiados, sem travessias arriscadas do Mediterrâneo e com tempo suficiente para verificação de dossiês. As multidões acumuladas nas fronteiras, desordenadas e processadas sob improviso, e portanto mais sujeitas a falhas de segurança, são já um resultado do falhanço de políticas de migração e asilo baseadas em canais legais, critérios de prioridade humanitária e quotas ambiciosas de integração.

Para regressarmos em força à primeira década do século, só faltará voltarmos a ter os artigos inquisitoriais e a blogosfera hipervigilante daquela época, sempre à procura de quem sofresse de uma maneira julgada inadmissível, de quem não utilizasse as expressões prescritas como corretas, de quem “justificasse” o terrorismo apenas por procurar não fazer sobre ele um discurso de pura reação instintiva, de quem não estivesse pronto a condenar todos os muçulmanos pelo terrorismo de uma minoria de muçulmanos (e maioritariamente vitimando outros muçulmanos, é bom lembrar).

Uma pessoa recorda-se desses anos — quem pode esquecer a cruzada de então contra a palavra “mas”, julgada pró-terrorista? — e pensa: mas tem mesmo de voltar a ser assim? Seremos obrigados a ter sempre os mesmos pseudo-debates, com a mesma falta de espessura, e limitar-nos a voltar ao mais antigo quando nos cansamos do mais recente?

Não obrigatoriamente. Se prestarmos atenção ao que dizem os sobreviventes dos ataques veremos como o seu discurso está a milhas da reatividade previsível de um Hollande. Já no 11 de Setembro foi assim com Bush.

Nos últimos dias tenho ouvido especialmente os sobreviventes, procurando uma linha comum ao que dizem. Os sobreviventes querem segurança; mas não pedem vingança. Desejam viver segundo os nossos valores; mas querem interpretá-los em liberdade. Têm medo; mas não fazem disso a sua bússola.

Aprendamos a ser mais como os sobreviventes e menos como os terroristas. Só isso já seria um bom começo.

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