Violência sobre as mulheres cada vez mais comum na Síria

Desde o início da guerra 6 mil mulheres já foram vítimas de violação, sobretudo depois de serem detidas pelas forças governamentais. Traumas e solidão são os cenários que se seguem para a maioria.

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As mulheres representam cerca de 9% do total de vítimas da guerra SAM TARLING/Reuters

Aida, uma jovem síria de 19 anos, foi detida, em Outubro de 2012, por oficiais de segurança do Exército e levada para ser interrogada. Vai ser presente a um juiz no dia seguinte. Entraram três homens na sala onde iria decorrer o interrogatório, mas não houve qualquer pergunta. Por turnos começaram a violá-la até perder os sentidos. O médico da prisão levou-a para a casa de banho e deu-lhe uma injecção para que conseguisse permanecer de pé quando estivesse perante o juiz.

A história de Aida, cuja família é próxima da Irmandade Muçulmana, é apenas um dos cerca de 6 mil casos de violações ocorridas desde o início da guerra civil na Síria, em Março de 2011, de acordo com um relatório da Rede Euro-Mediterrânea de Direitos Humanos (EMHRN, na sigla inglesa), Violência contra as Mulheres, uma Ferida Aberta no Conflito Sírio, publicado esta terça-feira. A violência sobre as mulheres no contexto do conflito sírio manifesta-se em atentados contra a vida, violações do foro sexual e detenções arbitrárias.

Os casos de violações relatados pela organização são sobretudo perpetrados pelas forças governamentais, frequentemente em instalações prisionais. As violações e humilhações costumam ser gravadas em vídeo e enviadas aos familiares das vítimas. Mesmo depois de libertadas, as mulheres têm de conviver com graves traumas psicológicos, problemas clínicos crónicos e com a rejeição das famílias.

“O estigma torna-as socialmente inaceitáveis, pelo que têm de abandonar a área e algumas nem têm a hipótese de fugir com os seus familiares. Muitas vezes são deixadas sozinhas e isoladas”, explicou a porta-voz da EMHRN, Hayet Zeghiche, em declarações à BBC.

As mulheres vítimas de violência estão, normalmente, ligadas a membros de movimentos oposicionistas. É o caso de Kenda, que foi raptada quando ia ao telefone com o marido, membro de um grupo rebelde, enquanto seguia num táxi. Percebendo de que se tratava da mulher de um rebelde, o taxista, que era informador do Exército, levou-a para um centro de detenção. Lá, Kenda foi obrigada a assinar uma declaração na qual o seu marido era designado como “terrorista”, depois de ter sido violada. No primeiro mês de gravidez, a mulher acabou por abortar.

Para além dos maus tratos, as mulheres também têm sido vítimas mortais directas no conflito, sobretudo no contexto de “bombardeamentos indiscriminados e desproporcionados em áreas habitadas por civis”. O relatório refere ainda a utilização de mulheres como “escudos humanos” durante confrontos. As mulheres representam cerca de 9% do total de vítimas da guerra, ou seja, mais de 7500, das quais 2454 são crianças, de acordo com estimativas da Rede de Direitos Humanos da Síria presentes na publicação.

O estudo Violência contra as Mulheres, uma Ferida Aberta no Conflito Sírio é baseado em entrevistas a vítimas e a pessoal médico durante o primeiro semestre de 2013. Os autores dão conta das dificuldades em levar a cabo a investigação, uma vez que se torna difícil encontrar vítimas de violação dispostas a ultrapassar o estigma social ainda muito presente.
 
 

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