Modi tenta travar fúria dos católicos indianos após violação de freira de 71 anos

Manifestações e protestos deixam primeiro-ministro indiano na berlinda e fazem crescer coro das críticas contra o Governo nacionalista hindu.

Freiras indianas e familiares dos alunos da Escola de Maria manifestaram-se pacificamente em Calcutá
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Freiras indianas e familiares dos alunos da Escola de Maria manifestaram-se pacificamente em Calcutá AFP/STR
OS agressores foram identificados pelas imagens de videovigilância
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OS agressores foram identificados pelas imagens de videovigilância REUTERS/West Bengal Police/Handout via Reuters

Os indianos voltaram à rua, para mais uma vez manifestar repúdio pela violência contra as mulheres e as minorias, em choque com um novo e arrepiante caso de violação: uma religiosa de 71 anos, que foi agredida e violada por um assaltante, alegadamente como “castigo” por ter tentado impedir um roubo em curso numa escola católica de Ranaghat, no estado de Bengala Ocidental, a cerca de 70 quilómetros da cidade de Calcutá.

O caso veio “ilustrar” da pior maneira possível duas tendências que aparentemente estão a crescer na Índia: a agressão sexual e outros crimes contra as mulheres e os ataques direccionados à comunidade católica, uma minoria religiosa do país e que se sente desprotegida perante um recrudescimento da violência inter-religiosa.

O primeiro-ministro, Narendra Modi, veio esta terça-feira a público prometer justiça para a freira violada no ataque ao Convento de Jesus e Escola de Maria em Ranaghat e confessar a sua “extrema preocupação” com sucessivos casos de assalto e vandalização de igrejas. No domingo, quando os cristãos se reuniram em oração e protesto em várias cidades do país, uma igreja em construção no estado de Haryana foi atacada, e a cruz retirada para dar lugar à estátua de uma divindade hindu.

A reacção tardia de Modi aos acontecimentos veio alimentar as desconfianças e críticas daqueles que contestam a posição relativamente laxista e permissiva do seu Governo (nacionalista hindu) perante o aumento da violência religiosa e a percepção de um desrespeito generalizado da lei que garante a liberdade de culto. Cerca de um quinto da população (1,3 mil milhões de pessoas) indiana professa fés diferentes do hinduísmo.

Recordando que a Índia é oficialmente um regime laico, os detractores do primeiro-ministro alegam que uma inusitada campanha promovida por grupos conservadores para a conversão em massa de muçulmanos e cristãos ao hinduísmo cria uma atmosfera de tensão inter-religiosa que é “propícia a ataques” e levanta legítimas dúvidas sobre a natureza secular da intervenção do Estado.

“Chegou o momento de levantar a voz contra estas atrocidades. Os cristãos não vão tolerar mais esta humilhação”, reagiu o porta-voz da arquidiocese de Deli, padre Savari Muthu. A Igreja Católica da Índia já tinha manifestado a sua repulsa pelos comentários do líder da organização nacionalista hindu Rashtriya Swayamsevak Sangh [Organização Nacional Patriótica, à qual Modi pertenceu], que desqualificou o legado de combate à pobreza da Madre Teresa de Calcutá como proselitismo religioso.

Na noite de sexta-feira, um grupo de dez ou doze homens invadiu a escola para um roubo que, segundo disse à AFP o superintendente da polícia, Arnab Ghosh, terá sido “minuciosamente planeado”. Os homens, cujas idades variam entre os 20 e 30 anos, escalaram o muro da escola, imobilizaram o segurança das instalações, desligaram as linhas telefónicas e começaram a recolher o seu pecúlio – dinheiro, computadores portáteis, telemóveis e outros artigos.

O barulho chegou até ao convento contíguo à escola e levou as freiras aí residentes a tentar intervir para travar o assalto. Os homens ataram algumas das irmãs, e depois de identificarem a madre superiora da congregação, agrediram-na e violaram-na como castigo por ter tentado accionar um alarme. Além do roubo, das agressões e da violação, os assaltantes ainda vandalizaram a capela, destruindo livros e imagens religiosas.

Imagens das câmaras de vigilância da escola permitiram identificar quatro dos seis agressores. Além destes, a polícia, que ofereceu uma recompensa de 1500 euros a quem tivesse informação relevante sobre o caso, ainda deteve outros cinco suspeitos para interrogatório. Mas os indivíduos acabaram por ser libertados, enfurecendo a população.

Os alunos da escola, familiares e amigos, encenaram um primeiro protesto assim que o episódio veio a público: em fúria, cortaram estradas e interromperam a circulação ferroviária. Na segunda-feira à noite, os protestos tornaram-se violentos, com os manifestantes a envolverem-se em confrontos com a polícia depois de uma vigília de solidariedade à luz das velas, que reuniu centenas de cristãos que rezaram pela recuperação da religiosa

O arcebispo de Calcutá, Thomas D’Souza, falou em nome dos católicos de Bengala da “profunda angústia por este vergonhoso acto de violência sobre uma religiosa idosa e doente. “Não podemos deixar de registar o nosso choque e horror com este acto bárbaro ocorrido num estado que se diz tolerante e inclusivo”.

O país acordou da sua indiferença colectiva para o flagelo da violência contra as mulheres quando uma jovem estudante de medicina de 23 anos foi brutalmente violada por um cinco homens, a bordo de um autocarro em Nova Deli. A jovem não conseguiu resistir aos ferimentos e depois de várias intervenções cirúrgicas acabou por morrer.

Sob pressão da opinião pública (indiana e internacional), o Governo federal aprovou uma revisão legislativa que criminalizou uma série de comportamentos e actos de cariz sexual, como o voyeurismo, a perseguição e o assédio, tipificou o crime de tráfico humano e duplicou as penas para os violadores, que passaram a ser de 20 anos de prisão. A lei também foi alterada para obrigar à abertura de um inquérito sempre que uma queixa de violação é apresentada – sujeitando a acusação os agentes da autoridade e da justiça que recusarem investigar essas denúncias.

Mas o endurecimento da legislação não teve o efeito dissuasor pretendido, e os relatos de violação (de menores, idosas, casadas, estrangeiras) continuam a multiplicar-se. Os registos oficiais apontam para um aumento de 875% das queixas por violação nos últimos 40 anos, de 2487 em 1971 para 24.206 em 2011. Em 2012, o último ano para o qual há registos, foram 24.923 casos – mas apesar do aumento das denúncias, a taxa de condenação por esses crimes caiu para 14,3%.

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