Victor e Vladimir, uma parceria a todo o gás

Visita do Presidente russo a Budapeste suscita especulações sobre a unidade da diplomacia europeia quanto à Ucrânia e ao gás natural e sobre o rumo da democracia húngara.

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"Nem todas as democracias têm de ser liberais", defende Victor Orbán Laszlo Balogh/Reuters

O Presidente russo, Vladimir Putin, visita Budapeste na terça-feira, levando na agenda a negociação de um novo acordo para o fornecimento de gás natural à Hungria. Nas capitais europeias – e em Washington – fazem-se conjecturas preocupadas sobre o que estará o primeiro-ministro Victor Orbán, um admirador confessor do Presidente russo, disposto a dar-lhe em troca.

O que se passa em Budapeste preocupa devido aos caminhos pelos quais Orbán tem conduzido a Hungria, ao ponto de se começar a discutir se ainda é legítimo considerar este país da União Europeia uma verdadeira democracia, ou já um regime autocrático, como faz o livro do escritor e investigador associado da Biblioteca Nacional húngara Rudolf Ungváry, cujo título é, na tradução a partir do inglês, Realidade invisível: a mutação fascistóide na Hungria contemporânea.

A maioria parlamentar de dois terços tem servido a Orbán para impor amplas mudanças na sociedade, que começaram com uma nova Constituição. Por exemplo, desde 2010, quando o Fidesz, o seu partido, chegou ao poder, a Hungria caiu 42 posições no índice da liberdade de imprensa feito pelos Repórteres Sem Fronteiras: é agora o 65.º entre 180 países.

Angela Merkel, que também esteve em Budapeste no início do mês, fez questão de dizer ao primeiro-ministro húngaro que não concorda com a sua ideia de que pode haver democracias não liberais – uma ideia por ele formulada num discurso em Julho e que também fez disparar campainhas de alarme nas chancelarias ocidentais.

“Honestamente, não consigo entender como é que ‘não liberal’ se pode aplicar a uma democracia”, disse a chanceler alemã, com um surpreendido primeiro-ministro húngaro ao seu lado – do lado das autoridades de Budapeste, não se esperava que a visitante abordasse a questão.

Afinal, a União Europeia ainda não tinha tido qualquer reacção assinalável desde que, em Julho, Orbán afirmou que o seu projecto político é a construção de uma “democracia não liberal”, apontando como modelos o sucesso económico de estados autoritários como a Rússia, a China, a Turquia ou Singapura.

“Nem todas as democracias têm de ser liberais”, retorquiu Orbán a Merkel. “Os que dizem que as democracias têm de ser necessariamente liberais estão a tentar pôr uma escola de pensamento acima do resto. Nós não vamos dar-lhes esse privilégio”, declarou o primeiro-ministro, que tem dito que a Alemanha é “a bússola” da política externa da Hungria.

Mas Orbán, que em 1989, ainda enquanto estudante, liderou uma revolta contra a presença de tropas soviéticas em Budapeste, é hoje um admirador de Putin. E a Rússia é o maior parceiro comercial húngaro fora da União Europeia. Os embargos devido à guerra na Ucrânia resultaram em perdas de cerca de 660 milhões de euros nas trocas comerciais com Moscovo, disse à Associated Press Peter Szijjarto, ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria.

Orbán tem tido um comportamento errático desde que a União Europeia precisou de montar uma frente unida face à Rússia, devido à Ucrânia, com o qual a Hungria partilha fronteira. No país vizinho vive também uma minoria étnica húngara, cerca de 200 mil pessoas. Mas durante algum tempo Budapeste não enviou gás natural para a Ucrânia, ao arrepio da política europeia.

O Governo de Orbán manteve também a intenção de construir a sua parte do gasoduto Southstream apesar da oposição europeia, quando a Rússia anunciou a intenção de mudar o traçado – entretanto a Rússia desistiu deste gasoduto e quer agora fazer outro, passando através da Turquia e da Grécia. E apesar de o húngaro manter a solidariedade com as sanções económicas à Rússia, tem defendido que devem ser aligeiradas.

Num momento em que as diplomacias dos vários países olham à volta em busca de indícios de quem tenha uma visão favorável à Rússia, Victor Orbán está na linha da frente. Até porque tem cimentado as suas vitórias eleitorais, com maiorias eleitorais de dois terços desde 2010, graças às reduções forçadas dos preços do gás natural e da electricidade. Antes das eleições de Abril de 2014 houve uma nova baixa de 10% no preço. Manter boas relações com o fornecedor de cerca de 85% do seu gás natural é, por isso, prioritário.

Foi há um ano que se deu a grande aproximação à Rússia, quando foi anunciado, de repente, que tinha sido negociado em segredo um empréstimo de dez mil milhões de euros de Moscovo para construir dois reactores nucleares na central nuclear húngara de Paks. Não se conhecem muitos pormenores nem se vão conhecer – o Parlamento dominado pela maioria de dois terços do Fidesz aprovou a classificação de todos os documentos relativos a este empréstimo durante 15 anos.

Mas o acordo ainda será viável para a Rússia, agora que o rublo se desmoronou e a sua economia está a ser alvo de sanções da UE e dos Estados Unidos? O especialista em direito internacional Laszlo Valki duvida, mas disse ao site em língua inglesa Budapest Beacon que é compreensível que o Presidente russo esteja interessado em visitar Budapeste. “Não haverá muitos países membros da União Europeia que considerassem benéfica uma visita de Vladimir Putin, num momento em que os seus soldados estão a levar a guerra para o território da Ucrânia. O que eu não compreendo é porque é que a Hungria o convidou.”

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