Hollande tenta apelo à esquerda na sua derradeira remodelação governamental

Presidente francês chama novamente ecologistas para o executivo, mas mantém as figuras centrais do poder que dividem a esquerda. Novo ministro dos Negócios Estrangeiros é Jean-Marc Ayrault.

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Hollande entre o novo ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Marc Ayrault, à sua esquerda, e Laurent Fabius, de saída Philippe Wojazer/Reuters

François Hollande revelou esta quinta-feira a sua segunda remodelação governamental em dois anos, antecipada há meses como a derradeira tentativa de salvar a sua recandidatura em 2017, recuperar alguma confiança na sua presidência e unir parte do descontentamento na esquerda com o desvio conservador dos socialistas em matérias de segurança e economia.

A lista de tarefas é grande e a remodelação não foi muito mais do que cosmética. A única grande pasta a trocar de mãos foi a dos Negócios Estrangeiros, que agora será ocupada por Jean-Marc Ayrault, ex-primeiro-ministro de Hollande, experiente socialista mas inexperiente diplomata – a imprensa sublinhava com ironia que o seu único cargo em relações internacionais foi ter dado aulas de Alemão no liceu.

Ayrault era já avançado como o nome mais provável na sucessão ao veterano Laurent Fabius, que anunciou um dia antes do tempo a sua saída do executivo – revelou-se na tarde de quarta-feira que Fabius aceitara o convite do Presidente para presidir o Conselho Constitucional, a mais alta instância jurídica no país. Pelo caminho ficou Ségolène Royal, outro dos nomes sugeridos, que se mantém como ministra do Ambiente, embora com responsabilidades alargadas.

A equipa liderada pelo primeiro-ministro, Manuel Valls, cresce de 32 para 38 ministros – 19 homens e 19 mulheres –, mantém as grandes figuras do poder e assegura que o Governo não altera o rumo de reformas que traçou no momento da primeira reforma governamental.

A grande novidade é a entrada de três ecologistas na nova composição do executivo, a primeira vez que isso acontece desde que Os Verdes abandonaram a coligação em 2014 com a entrada de Valls, o “socialista de direita” escolhido por Hollande para um rumo mais conservador na economia e que desde então se tornou na principal figura da musculada resposta antiterrorismo em França.

O regresso de ecologistas ao Governo mostra a vontade que Hollande tem em alargar a sua base de apoio à esquerda, descontente com o rumo dos socialistas desde a reformulação do Governo em 2014. As divisões revelaram-se ainda esta semana no voto à reforma constitucional que permitirá retirar a nacionalidade francesa a condenados por terrorismo: apenas 165 dos 287 deputados de esquerda votaram a favor.

Hollande quer evitar que a sua grande queda de popularidade provoque um processo de eleições primárias de candidatos à esquerda, como é defendido por várias figuras no seu próprio Partido Socialista, e, na entrevista desta quinta-feira em que comentou a remodelação governamental, jogou precisamente o seu novo trunfo ecologista. “É um governo que deve agir, deve reformar, avançar. Está expandido, quis juntar ecologistas. Há três prioridades: proteger os franceses, o emprego e, finalmente, a ecologia.”

Uma sondagem publicada esta semana pelo jornal Libération mostra que três em cada cinco franceses dizem que “não é desejável" uma reeleição de Hollande como Presidente, algo que apenas 22% acreditam ser possível e 16% dizem ser “desejável”. Nesta quinta-feira, Jean-Luc Melenchon anunciou que se vai recandidatar à presidência em 2017 como a figura da esquerda radical – as sondagens citadas pela Reuters sugerem que pode conseguir perto de 10% dos votos no eleitorado de Hollande.

A grande conquista ecologista do Presidente francês é Emanuelle Cosse, até agora secretária-geral do Europa Ecologia/Os Verdes e nova ministra da Habitação. Mas Cosse não conseguiu o apoio do partido e juntou-se ao Governo em cisão com os Verdes, anunciado a sua demissão no momento de aceitar o cargo a convite do Eliseu. O cisma revela uma grande fractura no ex-parceiro de coligação, mas também que os socialistas são incapazes de cortejar grandes fatias do eleitorado de esquerda.

“Dissemos sempre que a ecologia política tinha lugar no Governo”, afirmou Manuel Valls, a figura mais polémica para a esquerda do Partido Socialista. O primeiro-ministro usou o mesmo tom de Hollande e regozijou-se com a entrada dos “aliados radicais” num governo “mais alargado” que, garante, manterá o rumo das reformas acertado em 2014. “É algo bom não apenas para a esquerda, mas também para o país”, concluiu.

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