Venezuela acusada de "abusos sérios" e "violações sistemáticas" dos direitos humanos

Relatório da Human Rights Watch denuncia "acção desproporcional e ilegítima" das forças de segurança venezuelanas na repressão dos protestos contra o Governo de Nicolás Maduro.

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A Human Rights Watch denunciou a actuação das forças de segurança da Venezuela REUTERS/Christian Veron

A organização internacional Human Rights Watch (HRW) encontrou um padrão de “abusos sérios” e “violações sistemáticas” dos direitos humanos na actuação das forças policiais e militares encarregadas pelo Governo da Venezuela de combater e reprimir o movimento de protesto e contestação ao Presidente Nicolás Maduro.

Num relatório divulgado esta segunda-feira e intitulado “Punidos por protestar: as violações de direitos nas ruas, centros de detenção e sistema judicial da Venezuela”, a organização de defesa dos direitos humanos denuncia casos de “abusos físicos e psicológicos, incluindo tortura” de prisioneiros detidos pela sua participação em acções contra o Governo – que em muitos casos foram depois julgados sem garantias legais.

“A escala das violações dos direitos humanos que encontramos na Venezuela, e a colaboração das forças de segurança e dos oficiais da Justiça nessas violações, prova que estes incidentes não são actos isolados nem casos de excesso de zelo por parte de alguns agentes insubordinados. Na verdade, inserem-se num alarmante padrão de abusos que está num nível jamais visto na Venezuela”, declarou o director da HRW para as Américas, José Miguel Vivanco.

A HRW reconhece que a violência das manifestações e protestos anti-governamentais que se multiplicaram por várias cidades da Venezuela a partir de Fevereiro não foi unilateral: “Não há a mínima dúvida que os manifestantes recorreram à violência”, por exemplo atirando pedras e cocktails molotov contra as forças de segurança, lê-se no relatório. No entanto, a organização constatou um “uso desproporcional e ilegítimo da força” pela polícia, que agiu contra manifestantes desarmados e até cidadãos à margem dos protestos: houve casos em que os indivíduos foram “severamente espancados” e outros em que foram “atingidos a tiro à queima-roupa”.

Em mais de três meses de protestos, os registos oficiais identificaram 41 vítimas mortais: 27 pessoas que foram baleadas, oito que foram atropeladas por motocicletas ou automóveis, uma atingida por uma arma branca e cinco cuja causa da morte permanece indeterminada. Nove das vítimas eram membros das forças de segurança e quatro eram apoiantes do Governo; os restantes eram todos opositores. As manifestações resultaram ainda na detenção de mais de 2000 pessoas, das quais 197 ainda permanecem na cadeia.

“Os líderes da oposição devem rejeitar enfaticamente qualquer acto de violência em manifestações [contra o Governo]”, sublinhou José Miguel Vivanco. Mas para o director da HRW, “nada justifica as tácticas brutais utilizadas pelas forças de segurança venezuelanas”.

Em 103 páginas, o relatório apresenta os exemplos de mais de 150 vítimas da polícia, do Exército e dos tribunais em Caracas e cidades de outros três estados do país: Carabobo, Lara e Miranda, que é governado por Henrique Capriles, o rival presidencial de Nicolás Maduro. A investigação da HRW remonta ao passado mês de Março, e segundo informa a organização, envolveu entrevistas com vítimas de abusos e seus familiares, testemunhas, médicos, jornalistas, advogados e activistas. Além disso, foram reunidas “provas materiais” como fotografias e registos vídeo, relatórios médicos, sentenças judiciais e outros relatórios oficiais divulgados pelas entidades de Estado.

Entre os casos documentados encontram-se os de indivíduos que foram detidos de forma arbitrária e mantidos pelas autoridades por vários dias sem qualquer tipo de acusação, em instalações como esquadras da polícia ou unidades militares. Dezenas de pessoas foram submetidas a espancamentos brutais, choques eléctricos e queimaduras ou ameaças de morte e de abusos sexuais – dez desses casos são denunciados pela HRW como tortura. Em muitos casos, a assistência médica das vítimas foi atrasada ou simplesmente negada.

O relatório aponta ainda o dedo ao tratamento dos detidos pelo sistema judicial. “A quase todas estas 150 vítimas foram negados os direitos processuais mais básicos”, acusa a HRW, que refere exemplos de indivíduos que nunca foram assistidos por advogados ou que foram julgados a meio da noite, “sem qualquer justificação plausível”, e lamenta o comportamento de juízes e procuradores que “ignoraram os sinais óbvios de abusos físicos” dos arguidos.

No fim de Abril, o Governo de Nicolas Maduro fez saber que 142 denúncias de alegados abusos dos direitos humanos estão a ser oficialmente investigados, e que no curso desses processos 17 agentes das forças de segurança tinham sido detidos. José Miguel Vivanco congratulou-se com a abertura dos inquéritos, mas defendeu o envolvimento de monitores internacionais das Nações Unidas nas investigações. “Atendendo à falta de independência judicial na Venezuela, e ao facto de haver procuradores e juízes envolvidos nos abusos documentados, é difícil de esperar que as pessoas responsáveis pelos crimes sejam efectivamente punidos pela justiça”, considerou.

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