Varoufakis falou em negociação da dívida, Schäuble irritou-se

Ministro alemão disse que colega grego está a “forçar os limites da solidariedade”. Parlamento de Berlim deve votar extensão de acordo com Atenas por maioria esmagadora.

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Ministro alemão das Finanças manifestou “estupefacção” EMMANUEL DUNAND/AFP

Wolfgang Schäuble, o ministro alemão das Finanças, ficou irritado e terá, conta quem ouviu, manifestado “estupefacção” com uma declaração feita na véspera por Yanis Varoufakis, na qual o homólogo grego apelou ao “início imediato” de discussões sobre a dívida. O desagrado resultará da interpretação de que Atenas estará a procurar relançar a ideia de um perdão parcial.

A reacção de Schäuble, motivada por uma declaração do ministro das Finanças de Atenas, aconteceu esta quinta-feira, numa reunião com deputados do seu partido, a União Democrata-Cristã, CDU, que esta sexta devem votar maioritariamente a favor da extensão programa de assistência financeira à Grécia, no Parlamento de Berlim.

“Já não há uma frente unida contra a Grécia sobre a discussão da dívida”, disse Varoufakis, apelando ao “início imediato” de negociações com os credores. “Não teremos problemas de liquidez para o sector público. Mas teremos certamente problemas para pagar a dívida ao FMI agora e ao BCE em Julho”, afirmou à rádio grega Alpha, um dia depois de o Eurogrupo ter aceitado as reformas propostas pela Grécia como condição para o prolongamento dos empréstimos.  

“Não vejo em que é que a declaração de Varoufakis nos facilita a vida”, reagiu Schäuble, segundo deputados citados pela AFP. Deputados ouvidos pela Reuters destacaram outra afirmação atribuída ao ministro alemão – a de que Varoufakis está a “forçar os limites da solidariedade dos parceiros europeus”.

Na declaração que desagradou a Schäuble, Varoufakis não quantificou a dimensão das dificuldades gregas no curto prazo. Mas as agências lembram que após o pagamento de dois mil milhões de euros em juros, este mês, a Grécia tem de reembolsar um empréstimo de cerca de 1,6 mil milhões de euros ao FMI (Fundo Monetário Internacional), que se vence em Março, e cerca de 6,7 mil milhões de obrigações detidas pelo BCE (Banco Central Europeu), em Julho-Agosto.

As instituições anteriormente conhecidas como troika (BCE, FMI e Comissão Europeia) deverão transferir ainda 7,2 mil milhões de euros para Atenas, no quadro do programa que acaba de ser prolongado. Mas as instituições não gostariam de desembolsar esse dinheiro antes de Abril – quando julgam poder ter já uma noção do avanço das reformas prometidas pela Grécia, escreveu a AFP. A margem do novo Governo para conseguir no curto prazo fundos através de obrigações é também limitada, devido ao tecto imposto pelo programa de assistência.

Na fase negocial que culminou no recente acordo, a Grécia defendeu uma descida do excedente orçamental primário (saldo das contas públicas excluindo juros da dívida), o que lhe permitiria financiar programas sociais, canalizando menos dinheiro para o pagamento da dívida. Outro pilar da sua actuação para lidar com aquele que é o problema estrutural – a dívida – consistiria numa troca de títulos, com a emissão de novas linhas de obrigações com pagamento dependente do crescimento do PIB (produto interno bruto).  

“O vento mudou”
Apesar da incerteza que continua a caracterizar a situação grega, o ministro das Finanças está optimista. Numa entrevista à Bloomberg Television, Varoufakis considerou que “o vento mudou”, depois da aceitação, pelo Eurogrupo, na terça-feira, do caderno de encargos apresentado pela Grécia aos credores, como condição para a extensão da ajuda.

Varoufakis disse que logo na terça houve “um afluxo” de dinheiro aos bancos gregos, onde foram depositados 700 milhões de euros. “Não verifiquei os números [de quarta-feira], mas estou certo de que continuou”, disse. Fonte bancária citada pela AFP indicou que nesse dia entraram nos cofres das instituições financeiras mais de 150 milhões. “É uma questão de direcção, quando o vento muda, a esperança volta”, afirmou o ministro.

Yannis Stournaras, o  governador do Banco da Grécia, também acredita numa evolução positiva. O homem que até Junho do ano passado foi ministro das Finanças do anterior executivo disse que os problemas que o país tem para resolver na fase actual são “relativamente poucos”, quando comparados com os que teve de enfrentar nos últimos anos, desde 2010, e que, uma vez ultrapassados, a Grécia estará em condições de passar à fase seguinte, de “crescimento rápido”.

 “A coesão social foi corroída pela crise”, reconheceu Stournaras, que defende a redução do desemprego e a correcção das desigualdades como prioridades da acção política. “Para o conseguir, devemos permanecer firmemente empenhados na via europeia do país e cumprir o acordo recentemente concluído o mais depressa possível.”

Apesar da irritação do ministro das Finanças de Berlim, e ainda que no campo conservador se façam ouvir vozes discordantes – o diário popular Bild escreveu em manchete “Não! Mais milhões para os gregos gananciosos, não” –, a aprovação pelo Parlamento alemão do prolongamento do apoio à Grécia deverá acontecer por maioria esmagadora.

Numa votação-teste entre os deputados da CDU e do seu aliado bávaro, CSU, que totalizam 311 eleitos, só 22 votaram contra e cinco abstiveram-se, segundo a AFP. Os sociais-democratas do SPD, que fazem parte da “grande coligação” liderada pela chanceler, Angela Merkel, votaram por unanimidade a favor da extensão. Os partidos que apoiam o Governo têm em conjunto cerca de 80% dos lugares na câmara baixa do Parlamento, o Bundestag. Os Verdes e o Die Linke, na oposição, também apelaram ao voto favorável.  

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