União Europeia acusa Espanha de “maus tratos” em Melilla

Dois terços dos que tentam passar os arames de Ceuta e de Melilla são originários de países em guerra, incluindo a Síria, a República Centro-Africana e o Mali.

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José Palazón, o autor da foto, diz que estas pessoas passaram 13 horas a tentar saltar a cerca de Melilla Prodein/AFP

A Comissão Europeia acusa Espanha de estar a “violar a legislação da União Europeia” com as práticas usadas pela Guarda Civil para conter os imigrantes que tentam entrar no país através da vala de Melilla. Numa carta, a comissária do Interior, Cecilia Malmström, refere-se à agressão de um dos estrangeiros que tentaram saltar a vedação a 15 de Outubro e diz que as pessoas que o fizeram nesse dia “foram objecto de maus tratos”.

A carta enviada ao ministro do Interior espanhol, Jorge Fernandéz Díaz, e obtida pelo jornal El País, apoia as acusações num vídeo difundido pela ONG Prodein no qual se vê um guarda a bater num estrangeiro que cai inconsciente no chão, antes de ser devolvido a Marrocos. “Estou profundamente preocupada com este vídeo e lamento profundamente que um incidente tão perturbador e chocante possa produzir-se nas nossas fronteiras”, escreve a comissária sueca.

Malmström diz que foram violadas nesse dia a Carta de Direitos Fundamentais da UE, a directiva sobre procedimentos de asilo e devolução e o código de fronteiras do espaço de livre circulação de Schengen. Pede uma investigação e quer saber que “medidas podem ser adoptadas contra os responsáveis da Guarda Civil”. Em Fevereiro, a comissária já tinha tido uma discussão acesa com o ministro por causa da morte de 15 subsarianos que tentavam saltar a vala e foram atingidos com balas de borracha.

Estas críticas especialmente duras somam-se a todas as que têm sido feitas ao Governo de Madrid por causa das anunciadas mudanças de lei que prevêem regulamentar a chamada “devolução a quente” (sem que seja dada a oportunidade ao imigrante de pedir asilo) dos que tentam entrar na Europa pelas suas duas únicas fronteiras terrestres com África, os enclaves de Ceuta e Melilla. Malmström anuncia a Fernandéz Díaz que a sua equipa vai abordar com as autoridades espanholas “as supostas expulsões sumárias de imigrantes para Marrocos”.

Na verdade, o deputado do Partido Popular (direita, no poder) Conrado Escobar admitiu esta semana num debate da Comissão do Interior do Congresso que “esta é uma prática regular desde 2005”, dizendo que falta só regulá-la para defender os guardas que a aplicam. O problema é que se trata de uma prática ilegal, já que os imigrantes que chegam a um país têm direito a ser ouvidos e a pedir asilo.

Este foi o ano em que as entradas em Melilla cresceram brutalmente – e nem a instalação de uma rede de seis metros com arame farpado travou as tentativas de salto. Até agora, em 2014, 4000 imigrantes entraram na cidade autónoma, metade destes através da vala. Segundo o Ministério do Interior, 14 mil tentaram fazê-lo em Melilla e outros três mil em Ceuta. Esta sexta-feira, 200 tentaram fazê-lo e uns 30 conseguiram passar; na quarta-feira passaram três em 350. Os socialistas, maior grupo da oposição, têm pedido a retirada do arame farpado, argumentando que os imigrantes “saltam ainda mais, e agora com feridas”.

A Amnistia Internacional também disse esta semana que os direitos humanos dos imigrantes estão em risco em Melilla, enquanto o porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, William Splinder, se afirmou “preocupado com o projecto de Espanha para legalizar a devolução automática de pessoas que tentaram passar as suas fronteiras”.

Olhar para o outro lado

Splinder reconhece “a complexidade” da gestão das fronteiras nestes dois enclaves, mas lembra que as devoluções automáticas contrariam a Convenção de 1951 sobre os refugiados, o tratado internacional que protege as pessoas que tentam fugir do seu país de origem.

No meio de todo este debate, a semana passada correu mundo uma fotografia: um campo de golfe reluzente com duas jogadoras de taco na mão e em pano de fundo a cerca de Melilla, com imigrantes que a tentam saltar. Foi José Palazón, presidente da associação Prodein, que a tirou e divulgou, descrevendo como aquelas pessoas passaram 13 horas a tentar passar.

“Quando vi a imagem, pareceu-me espantosa. Era, era… um retrato da realidade”, disse ao Huffington Post espanhol. “Não da realidade de Melilla, mas de Espanha, da Europa… Do pouco entendimento e como tentamos olhar para o outro lado”, afirma. “A publicidade oficial apresenta-nos o tema como ‘uma invasão’, uma ‘massa de negros’… Já estamos habituados a que morram muitos no mar… Nesta foto está tudo comprimido, parece que não são pessoas e que os que lhes acontece acontece porque tem de acontecer.”

Segundo Splinder, da ONU, dois terços dos que tentam passar os arames de Ceuta e de Melilla são originários de países em guerra ou à beira dela, incluindo a Síria, a República Centro-Africana e o Mali, pessoas que fogem da violência e de perseguições. “Este ano, até agora, mais de 5000 pessoas penetraram nos enclaves, incluindo 2000 que fugiram do conflito na Síria, 70% destes mulheres e crianças.”

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