Uma semana de treino com o Hamas

Campos de treino iniciam adolescentes na vida militar. Comandantes dozem que estas actividades têm como objectivo fortalecer a resistência palestiniana e dar aos jovens frustrados e desocupados de Gaza uma oportunidade para descarregarem a sua revolta.

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Uma das provas da cerimónia de graduação do campo de treino do Hamas SAID KHATIB/AFP
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Criança com um fato militar na cerimónia do campo de treino do Hamas Suhaib Salem/REUTERS
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Jovens palestinianos mostram o que aprenderam no campo de treino do Hamas SAID KHATIB/AFP
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Outra prova do que é ensinado no campo de treino para jovens do Hamas Suhaib Salem/REUTERS
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salto através de anéis de fogo MOHAMMED ABED/AFP

A julgar pelas filas ordeiras com centenas de jovens alinhados de acordo com o melhor aprumo militar, o braço armado do movimento islamista Hamas vai ter muitos candidatos a combatentes este ano.

ais de 17.000 adolescentes e jovens adultos, com idades entre os 15 e os 21 anos, passaram a última semana em dezenas de campos de treino na Faixa de Gaza, a fazer exercícios físicos e a disparar Kalashnikovs, enquanto juravam defender o enclave palestiniano e se preparavam para a próxima guerra contra os inimigos sionistas.

Aprenderam também a prestar os primeiros socorros e a lançar granadas. Viram e ouviram os instrutores a explicarem os princípios básicos para a produção de explosivos improvisados – mas não lhes tocaram.

Pela primeira vez, a ala militar do Hamas, as Brigadas Izzedine al-Qassam, classificadas no sábado como uma organização terrorista pelo Egipto, abriram as portas a adolescentes e jovens adultos para uma semana de treinos nos seus campos, anteriormente escondidos dos olhares mais curiosos. Os campos de treino militar têm sido geridos pela ala política do Hamas, e servem de palco para actividades com crianças durante o Verão, como a prática de desportos, organização de eventos religiosos ou simples jogos na praia e mergulhos.

Mas estas actividades de Inverno são bem diferentes, mais sérias, mais marciais. Os participantes são um pouco mais velhos e os instrutores são oficiais das Brigadas Izzedine al-Qassam, vestidos com camuflados de cor caqui e a gritarem ordens, cumpridas pelos jovens com um sonoro Allahu akbar (Deus é grande).

Os oficiais das Brigadas Izzedine al-Qassam autorizaram um repórter do The Washington Post a entrar em dois desses campos, mas não permitiram que ele ficasse mais do que 30 minutos, nem que tirasse fotografias até à cerimónia que marcou o fim desta pequena recruta, na quinta-feira.

Os comandantes militares do Hamas (considerada uma organização terrorista pelos Estados Unidos e Israel) dizem que estas actividades têm como objectivo fortalecer a resistência palestiniana e dar aos jovens frustrados e desocupados de Gaza uma oportunidade para descarregarem a sua revolta – e para dispararem armas.

Um oficial das brigadas, que se apresenta com o nome de guerra Abu Mujahed, disse que a semana de recruta dos mais jovens não foi organizada para angariar novos quadros para o braço armado, apesar de reconhecer que os futuros combatentes fazem parte destes grupos.

“Temos recrutas em número mais do que suficiente. Temos recrutas a mais”, disse. “Estes acampamentos existem para responder às exigências dos jovens, que querem fazer alguma coisa.”

Desviar atenções
Os críticos do Hamas dizem que esta semana de recruta foi organizada para aumentar a popularidade do grupo e para desviar a atenção dos habitantes das cruéis condições de vida em Gaza: dos salários que não são pagos; da ausência de reconstrução; do isolamento da Faixa de Gaza, que impede o comércio e as viagens. 

De acordo com as estimativas de organizações israelitas e palestinianas, cerca de mil combatentes morreram em Gaza durante os 50 dias de guerra entre o Hamas e Israel no Verão passado – uma guerra entre o exército mais bem equipado do Médio Oriente e o maior grupo armado de Gaza, com cerca de 20.000 a 25.000 combatentes.

Mas as pesadas baixas do Verão passado parecem não ter quebrado o entusiasmo dos jovens de Gaza, que dizem estar prontos a lutar contra o Estado judaico outra vez. O Hamas e Israel travaram três guerras nos últimos seis anos, e o Hamas continua a controlar a Faixa de Gaza.

Ahmad Ismail, de 16 anos, apresenta-se com uma t-shirt preta das Brigadas Izzedine al-Qassam, depois da cerimónia de graduação, na quinta-feira: “Aprendi a usar armas, especialmente espingardas, a subir por cordas, a marchar e a disparar granadas e morteiros. Também disparei com as Kalashnikov.”

“Gostaria de poder entrar já nas brigadas. Quero combater contra Israel. Quero expulsá-los da nossa terra. Estou pronto”, disse Ahmad.

Os serviços secretos militares israelitas confirmam que o braço armado do Hamas não terá dificuldades para recrutar mais combatentes.

“Não há falta de mão-de-obra em Gaza”, disse um responsável israelita designado para falar com os jornalistas ocidentais, que falou sob anonimato, devido ao protocolo militar de Israel.

O mesmo responsável disse que o Hamas está “a fabricar novos rockets o mais rapidamente possível”. Segundo diz, a eventual falta de rockets de longo alcance e dos respectivos propulsores, devido ao encerramento da maioria dos túneis pelo Governo egípcio, não será um problema para o Hamas. “O Hamas está a produzir muitos rockets”, reforçou. Centenas ou milhares por mês, disse. A acreditar no responsável israelita, as milícias vão estar devidamente preparadas dentro de poucos meses.

Ibrahim Shinbari tem 15 anos e também passou uma semana a treinar com o Hamas: “Inscrevi-me porque quero aprender a combater contra os judeus quando eles invadirem a nossa terra. Temos de aprender a usar armas. Quero combater em nome dos meus amigos e vizinhos que foram mortos pelos judeus.”

Um dos amigos de Ibrahim, que não se identificou, disse estar preparado para ingressar nas brigadas a qualquer momento. “São o exército mais poderoso da Palestina. Deram aos judeus uma grande lição para não voltarem a entrar em Gaza.”

Os adolescentes foram divididos em esquadrões e companhias. Aprenderam a marchar de forma ordeira. Muitos receberam ordens para assistirem, com um joelho no chão, a um oficial das brigadas a desmontar e a montar uma Kalashnikov, enquanto outros grupos faziam flexões.

Quem passava pela rua não conseguia espreitar para o interior do campo, mas as instalações não têm cobertura. Um combatente das brigadas, de camuflado e boné, apontou para cima e disse: “Não nos interessa o que os satélites de Israel conseguem ver.”

“Estamos a tentar ensinar-lhes as coisas mais básicas. Uma semana e nada mais, nada de muito pesado”, disse um instrutor, chamado Abu Hamza.

"Querem vingança"
Segundo ele, os responsáveis enviaram para casa centenas de rapazes com 12 e 13 anos de idade logo no primeiro dia. “Estavam a pôr-se em bicos dos pés para tentarem entrar. Dissemos-lhes para voltarem no próximo ano. Foram para casa a chorar.”

Na guerra do Verão passado contra Israel morreram mais de 2100 palestinianos, mas Abu Hamza diz que há muitos mais com vontade de se alistarem nas brigadas. “Querem retaliar. Querem vingança. Especialmente os que perderam um familiar.”

A cerimónia que marcou o fim da instrução, na cidade de Gaza, foi presenciada pelo mais alto responsável do Hamas no enclave, Ismail Haniyeh.

Khalil Haiyah, um dos principais comandantes militares das Brigadas Izzedine al-Qassam, explicou à assistência que as suas milícias estão a preparar-se em duas frentes: “Estamos ocupados a preparar-nos para a próxima batalha, e a treinar a próxima geração.”

O comandante terminou com uma saudação aos seus camaradas no Líbano, numa referência ao disparo de um míssil que matou dois soldados israelitas na zona ocupada dos montes Golã, na quarta-feira: “Enviamos as nossas felicitações à resistência no Sul do Líbano, especialmente ao Hezbollah, que insultou o inimigo com a operação que realizou ontem.”  com Hazem Balousha, em Gaza

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

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