Uma ode à genialidade e à loucura de Matteo Renzi

Renzi é talvez o homem por quem suspiram os socialistas europeus que ficaram órfãos de François Hollande.

É a nova coqueluche da esquerda europeia. O mais jovem primeiro-ministro da Itália surpreendeu nas eleições europeias, ao conseguir o melhor resultado de sempre do centro-esquerda e mais votos do que qualquer outro partido europeu.

O discurso europeu de Matteo Renzi é uma lufada de ar fresco numa Europa onde nos corredores de Bruxelas se respira um ar bafiento, e cuja tecnocracia e imobilismo criaram um ambiente insalubre, uma espécie de viveiro propício ao aparecimento de partidos de extrema-direita e extrema-esquerda que continuam a crescer como cogumelos.

Renzi veio confrontar a Europa com o que a Europa tem de mais ridículo. Fala da imigração, questão que está na génese de muitos movimentos eurocépticos, com desassombro. Diz, e com razão, que na Europa chega-se ao ponto de explicar com minúcia aos estados-membros como se deve pescar um peixe-espada “e não se diz nada sobre a forma de salvar um imigrante que se afoga”. Num misto de demagogia e realismo diz que a União Europeia “salva os bancos mas deixa morrer as crianças” em naufrágios.  

Mas não é um eurocéptico, muito pelo contrário. O antigo presidente de Câmara de Florença até tem um discurso idílico, quase pueril, do projecto europeu. Fala na Europa do Erasmus, nos Estados Unidos da Europa, diz que a Europa precisa de ser “amada” e pede que os políticos mostrem aos seus cidadãos uma Europa “sedutora”, com um sentido “da aventura, de desafios e dos sonhos”.

Renzi é talvez o homem por quem suspiram os socialistas europeus que ficaram órfãos de François Hollande. O Presidente francês que prometeu colocar o crescimento na agenda europeia provou ser, como o próprio se apelidou, ‘un homme normal’; demasiado normal e que não trouxe nada de extraordinário ao projecto europeu.

Mas Renzi, ao contrário de Hollande, não adoptou um discurso demagógico anti-Merkel e antiausteridade. François Hollande diria esta frase: “A esquerda tem o dever de salvar o Estado social”. Matteo Renzi diz a seguinte frase: “A esquerda tem o dever de salvar o Estado social, mas para isso tem de o racionalizar”. O que faz toda a diferença. O primeiro-ministro italiano é a favor do crescimento, mas também é a favor da disciplina orçamental e das reformas estruturais. Não nega a realidade quando esta não coincide com a ideologia, como fazem muitos partidos de esquerda por essa Europa fora.

A questão que interessa saber é se Matteo Renzi terá peso suficiente para mudar o rumo da Europa. Esta semana a Itália assumiu a presidência rotativa da União Europeia e, no primeiro discurso que fez no Parlamento Europeu, Renzi chocou de frente com a ortodoxia financeira alemã. O primeiro-ministro italiano defendeu que é necessário cumprir o Tratado Orçamental e as regras de consolidação das contas públicas, mas lembrou que “todos os europeus também assinaram um pacto, que se chama Pacto de Estabilidade e Crescimento. Trata-se de ‘estabilidade’, mas também de ‘crescimento’. E o ‘crescimento’ será um elemento fundamental de política económica que beneficiará a Europa”.

Quem não gostou e leu nas palavras de Renzi um pedinchar para que se desse mais tempo à Itália e à França para atingir a meta do défice foi o alemão Manfred Weber, o novo presidente do Partido Popular Europeu. Weber respondeu: “Se dermos mais tempo à Itália e à França para reduzir a dívida, o que vamos dizer aos outros países como a Espanha, Irlanda ou Grécia que fizeram tantos sacrifícios e que já aprenderam a lição?”. Não disse, mas também podia ter dito Portugal.

Esta visão alemã do “aprenderam a lição”, calvinista e punitiva, teve uma resposta à altura de Matteo Renzi, que recordou ao senhor Manfred Weber que o primeiro a violar o PEC em 2003 foi a própria Alemanha e que foi graças à flexibilização do Pacto que Berlim consegue hoje ser uma economia que cresce.

Esta discussão entre Renzi e Weber sobre se o PEC deve ser mais “estabilidade” ou mais “crescimento” faz-nos recuar às origens do próprio PEC. O Pacto de Estabilidade foi originalmente proposto pelo ministro das Finanças alemão, Theo Waigel, e conta-se que, na altura, o francês Lionel Jospin, acabado de chegar ao poder, insurgiu-se contra a ortodoxia financeira da Alemanha que exigia austeridade (o Pacto impunha um travão de 3% ao défice e de 60% à dívida) e deixava a questão do crescimento para um plano secundário. E foi por causa da insistência de Jospin que se deixou cair a ideia inicial de se chamar ao acordo de ‘Pacto de Estabilidade' e passou-se a chamar de ‘Pacto de Estabilidade e Crescimento'. Os franceses ficaram satisfeitos com a palavra “crescimento”, mas a verdade é que ainda hoje o PEC nada mais é do que um colete-de-forças, necessário, mas que ignora complemente as políticas comuns de investimento e de combate ao desemprego.

Resta é saber se Renzi terá peso na Europa para contrabalançar o poder hegemónico de Angela Merkel. Não será fácil. Matteo Renzi vem de um país, como o próprio disse, “capaz de tudo, do bom e do mau, da genialidade e da loucura”. Um país que, em 67 anos, teve mais de 60 governos. E sabe-se lá quanto tempo durará o de Renzi. No discurso que fez esta semana no Parlamento Europeu, Renzi perguntou: “Se a Europa fizesse um selfie, que imagem apareceria?” E respondeu: “O rosto do cansaço e em certos casos de resignação. A Europa mostraria a face do aborrecimento”. É reconfortante saber que nesta selfie de família alguém ainda ousa fazer uma careta; ou é um louco ou é um génio que vai mudar alguma coisa.
 

   





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