UE e Grécia: mudar de óculos e continuar a odisseia

As negociações entre a Grécia e a União Europeia geraram, ao longo de meses, uma enorme tensão e um desafio, que atingiram um nível crítico depois da chegada ao poder do Syriza e à medida que o referendo se aproxima.

Estas negociações e este referendo dão lugar a posicionamentos políticos e a dois jogos tácticos compreensíveis, se nos colocarmos na lógica dos seus actores, mas que lhes é agora essencial ultrapassar para se erguerem à altura do que está em causa, tanto para a Grécia como para a Europa.

Coloquemos os óculos certos para fazer o bom diagnóstico.

A Grécia está numa situação dramática que se agravará ainda mais se for conduzida a entrar em default da sua dívida durante muito tempo e, mesmo, a deixar a zona euro. Sair da crise actual pressupõe, antes de tudo, que a Grécia mude a forma como olha as coisas: exige a expressão de uma vontade clara de romper com a Grécia dos últimos 40 anos e com a vontade de deixar de imputar o essencial dos seus problemas a causas externas.

Requer também que o Governo grego queira considerar que a legitimidade democrática da qual é portador não se imponha àquela que representam igualmente os seus homólogos europeus. É nesta dupla condição que as autoridades gregas estarão capacitadas para aceitar compromissos credíveis e com consequências práticas, de acordo com um programa estabelecido em comum com os seus parceiros. Compreendemos a impaciência e as preocupações destes últimos, que querem pôr fim à sensação de estar a deitar dinheiro num poço sem fundo.

O drama grego não é nem será apenas nacional: tem e terá consequências no conjunto da Europa, da qual a Grécia faz parte integrante pela sua história, mas também pela sua geografia.

Não se trata, pois, de perder tempo a medir as consequências económicas e financeiras mais ou menos limitadas de uma saída da Grécia da união monetária: trata-se de apreender a evolução da Grécia, numa perspectiva geopolítica, como um problema europeu que se manterá.

Não se deve apenas olhar para a Grécia através do microscópio do FMI, é necessário olhar mas com "óculos onusianos", isto é, vermos que é um país que faz parte dos Balcãs cuja instabilidade não precisa de ser encorajada nestes tempos de guerra na Ucrânia e na Síria e, também, com o desafio terrorista — sem esquecer a crise migratória. Se continuarmos a insistir numa visão financeira, é indispensável sublinhar que a crise de liquidez actual da Grécia é consequência de uma crise de solvência, que por seu turno não é mais do que o sintoma de males bastante mais profundos: os que estão ligados às fraquezas de uma economia e de um Estado que é preciso reconstruir em todos os seus domínios, na base de reformas profundas, administrativas, judiciais, educativas, fiscais.

Cabe à União Europeia assumir a sua parte nesta reconstrução, propondo à Grécia um plano global de três componentes. De um lado, uma ajuda financeira razoável para permitir à Grécia restaurar a solvabilidade no curto prazo. Do outro, uma mobilização de instrumentos da UE para reanimar a economia grega (fundos estruturais e de coesão, empréstimos do BEI, contribuições do Plano Juncker) e, portanto, o seu regresso ao crescimento, que reduzirá por si só o rácio dívida/PIB do país. Finalmente, colocando na ordem do dia, rapidamente, a avaliação do peso da dívida grega e das dívidas dos outros países “sob programa” num quadro europeu, desde que os compromissos com as reformas sejam mantidos. Só um tal plano global parece capaz de abrir perspectivas de esperança e de mobilização para o povo grego e para as suas autoridades, e, consequentemente, levá-los a um esforço de reconstrução de que o país precisa e do qual a União beneficiará.

Foi porque Ulisses tinha a esperança de encontrar Ítaca e Penélope que teve a coragem e a energia para aguentar dez anos de dificuldades depois da guerra de Tróia. É também porque gregos e europeus podem olhar juntos para um futuro necessariamente comum que vão encontrar as vias para o compromisso, honrando os princípios de cooperação e de solidariedade que fundam a construção europeia.

Presidente fundador, presidente de honra e presidente do Instituto Jacques Delors

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