UE defende uma solução política na Síria, deixando Obama mais sozinho

Na cimeira do G20 na Rússia, a China repete que está com Moscovo na oposição a um ataque. ONU defende que todos os esforços se devem concentrar na realização de uma cimeira de paz.

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Os líderes do G-20, sentados à mesa Reuters

A Síria não estava na agenda mas muitos dos convidados não conseguiram pensar noutro assunto. A pedido de “determinados participantes”, o anfitrião, Vladimir Putin, aceitou debater “temas urgentes de política internacional, em particular a situação síria”, e assim o conflito que separa o mundo tornou-se o prato principal do jantar do primeiro dia da cimeira do G20, a oitava deste fórum.

Os líderes das grandes e médias economias e dos países emergentes estão até reunidos até sexta-feira em São Petersburgo. O jantar foi servido em Peterhof, o palácio de Verão de Pedro, o Grande. Segundo o jornal russo Izvestia, o Governo mudou a disposição dos lugares à mesa mais do que uma vez: primeiro, Putin estava separado de Barack Obama por um único líder; depois, chegaram a ter cinco lugares entre os dois; finalmente, os líderes russo e norte-americano sentaram-se à distância de apenas dois lugares.

Não foi um jantar fácil para Obama, e o Presidente dos Estados Unidos não esperava outro cenário. Um dia depois de ter dito, na Suécia, que se “o mundo” não responder pela força ao ataque químico que os EUA acusam o regime de Bashar al-Assad de ter ordenado no dia 21 de Agosto “é a credibilidade da comunidade internacional que está em causa”, Obama sabia que ia ter menos aliados do que gostaria em seu redor.

Bem mais de vinte cadeiras: chefes de Estado e de Governo de 19 países, para além dos representantes da União Europeia e das Nações Unidas. Tanta gente e apenas quatro líderes de países relevantes nesta crise (França, Reino Unido, Turquia e Arábia Saudita) do lado de Obama, um deles, o britânico David Cameron, impedido de participar activamente numa operação militar. Canadá, Austrália, Coreia do Sul, Japão, são aliados naturais dos EUA, mas têm entendimentos diferentes sobre como agir — principalmente se o ataque contra Assad for lançado sem o Conselho de Segurança da ONU, o que a Rússia se encarregará sempre de garantir.

“Não antecipamos que cada membro do G20 esteja de acordo sobre a forma de avançar na Síria, particularmente tendo em conta a posição da Rússia”, disse o conselheiro adjunto de Obama para a Segurança Nacional, Benjamin J. Rhodes, aos jornalistas que viajaram de Estocolmo para a Rússia a bordo do Air Force One.

Na chegada à capital dos czares, o Presidente François Hollande afirmou esperar “avanços políticos” durante a cimeira, apesar das divergências entre os participantes. “Devemos fazer tudo para tornar possível uma solução política”, afirmou.

Pelo menos “a condenação que nós fizemos ao ataque químico realizado pelo regime pode ser igualmente manifestada pelo conjunto dos europeus”, disse ainda.

Tal como os EUA, o Reino Unido e a Alemanha, a França diz ter as suas próprias provas do uso de armas químicas por parte de Assad. “Muitos europeus”, admitiu Hollande, preferem “esperar, nomeadamente pela missão dos inspectores da ONU”. A equipa de peritos visitou os locais atingidos uma semana depois dos ataques, mas os resultados das análises às amostras que recolheram ainda podem demorar mais três semanas.

Novas provas
Cameron, que na semana passada viu o Parlamento votar contra uma participação britânica num ataque, anunciou ao chegar à Rússia que tem “novas provas” contra Assad. “Acabámos de analisar algumas das amostras recolhidas em Damasco e levadas para o laboratório de Porton Down, no Reino Unido, que mostram mais uma vez o uso de armas químicas nos subúrbios de Damasco”, disse o primeiro-ministro à emissora pública BBC.

Contra Obama ou longe dele, o resto do mundo — para além da Rússia de Putin, a China, e a própria UE (que enquanto bloco insiste numa solução política). Repetindo que “parece completamente absurdo que as Forças Armadas regulares [da Síria] tenham usado armas químicas proibidas”, Putin também voltou a dizer que os russos têm “as suas próprias ideias sobre o que fazer se e quando a situação evoluir para o uso da força”. “Temos os nossos planos”, disse, enquanto três navios de guerra russos abandonavam o Bósforo turco a caminho do Mediterrâneo oriental.

ONU e Genebra
“A situação actual mostra que a solução política é a única via”, reforçou, por seu turno, um porta-voz da delegação chinesa, Qin Gang. “A China opõe-se a quem quer que use armas químicas”, acrescentou. Mas para Pequim, tal como para os europeus, “a próxima etapa terá como base as conclusões do inquérito da ONU” sobre o uso destas armas.

“Apesar de respeitarmos os recentes apelos para agir, sublinhamos ao mesmo tempo a necessidade de lidar com a crise síria através do processo da ONU”, afirmou à chegada à Rússia o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, numa posição apoiada pelo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.

Antes dos ataques químicos que mataram pelo menos centenas de pessoas nos arredores de Damasco — Washington diz ter provas de que morreram 1429, outros países e ONG internacionais falam em várias centenas —, EUA e Rússia estavam empenhados em organizar uma conferência de paz em Genebra. Um encontro para sentar à mesa membros do regime (excluindo Assad) e a oposição reunida na Coligação Nacional Síria e onde pudessem ser lançadas as bases do pós-guerra.

A ONU, que deveria apadrinhar essa cimeira, continua empenhada em fazê-la acontecer, com ou sem ataque externo à Síria. Foi por isso que, para além do secretário-geral, Ban Ki-moon, aterrou também nesta quinta-feira em São Petersburgo o enviado da ONU e da Liga Árabe para a Síria, Lakhdar Brahimi. Juntos levaram na agenda a tarefa de convencer todos os líderes presentes a tentar o impossível para avançar o encontro de Genebra.

“Devemos pressionar ainda com mais energia para [realizar] a conferência internacional. Uma solução política é a única forma de evitar um banho de sangue”, afirmou Ban num comunicado. Como apareceu de surpresa, Brahimi não tinha lugar à mesa do jantar e foi convidado para “o pequeno-almoço de trabalho com os ministros dos Negócios Estrangeiros do G20”, na manhã de sexta-feira.

Com a crise síria dentro de portas (mais de 400 mil refugiados e vários ataques do Exército sírio do seu lado da fronteira), a Turquia é o país mais pronto a apoiar e integrar “qualquer coligação contra o regime” de Assad. Com o primeiro-ministro, Recep Tayyp Erdogan, sentando à mesa do jantar em São Petersburgo, vários blindados chegaram ao Sul do país para reforçar a longa fronteira que o separa da Síria.

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