UE ameaça processo contra Itália após "imagens chocantes" do centro de Lampedusa

As imagens de imigrantes a serem desinfectados nus, em público, causaram indignação. Itália prometeu investigar e Bruxelas ameaçou punir.

Vídeo de imigrantes nus choca Itália

As imagens de um grupo de imigrantes que são instruídos para se despirem em público no centro de acolhimento da ilha italiana de Lampedusa e depois, à vez, submetidos a um jacto desinfectante, aparentemente para prevenir a sarna, causou indignação generalizada.

Da presidente da Câmara de Lampedusa a vários políticos, do primeiro-ministro italiano à comissária europeia dos Assuntos Internos, do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados à Amnistia Internacional, todos condenaram o tratamento indigno de seres humanos quando passou tão pouco tempo do acidente de barco em que morreram 367 imigrantes que tentavam chegar a Lampedusa.

Isto em vésperas de uma cimeira europeia em que se espera que um dos temas principais seja justamente a imigração para a Europa no que terá sido o ano mais mortífero, segundo a Organização Internacional para a Migração (estima-se que tenham morrido mais de 7 mil imigrantes no caminho para a Europa).

Este ano, já chegaram a Itália mais de 37 mil imigrantes ilegais, três vezes mais do que no ano anterior, segundo a Frontex, a agência europeia de protecção de fronteiras. Um quinto destes imigrantes, diz a organização não governamental Save the Children, são crianças. Dados mostram que mais de 13 mil pessoas procuraram asilo este ano em Lampedusa: mais do dobro dos habitantes da ilha.

As imagens que provocaram a polémica foram filmadas por um refugiado sírio no seu telefone e divulgadas por uma estação de televisão italiana. Fazem lembrar “um campo de concentração”, queixou-se a presidente da Câmara de Lampedusa (os centros de acolhimento e processamento de imigrantes são responsabilidade do Governo). “Este modelo de recepção envergonha Lampedusa e a Itália, tem de mudar. Isto não é o que esperávamos apenas dois meses depois do naufrágio que provocou tantas lágrimas e promessas”, disse Giusi Nicolini, citada pelo diário Corriere della Sera.

Enrico Letta, o primeiro-ministro de Itália, criticou a “gravidade” e anunciou uma investigação; o ministro do Interior, Angelino Alfano, prometeu que “quem tiver cometido erros vai pagar”. Cono Galipo, chefe da organização que gere o centro, disse que foram seguidos “todos os protocolos médicos” e que as imagens não reflectem a realidade das condições no local.

“As imagens que vimos são chocantes e inaceitáveis”, reagiu pelo seu lado a comissária europeia dos Assuntos Internos, Cecilia Malmström. E, anunciando uma investigação ao centro, deixou um aviso: “Não hesitaremos em lançar um processo por infracção [contra Itália] para termos a certeza de que os padrões europeus são mesmo cumpridos.”

Esta não é a primeira vez que um centro de acolhimento em Lampedusa está envolto em polémica. Em 2011, num protesto pelas condições do centro – especialmente cheio depois de terem chegado vagas de tunisinos e líbios em fuga dos seus países em revolta –, imigrantes incendiaram-no e queimaram todo o centro. O actual foi construído ao lado das cinzas do anterior, lembra o Wall Street Journal.

O Alto Comissariado da ONU para os refugiados também fez coro das críticas dizendo que as condições no centro de Lampedusa eram “inaceitáveis” e pediu a transferência "imediata" dos imigrantes para outros centros no país.

1250 onde deveriam estar 250
O centro serve para o primeiro acolhimento de quem chega à ilha. Tem uma capacidade de 250 pessoas, mas tem sempre muito mais, actualmente cerca de 1250 pessoas, segundo disse fonte da guarda costeira italiana à CNN.

“A sobrelotação constante não é sustentável e cria uma situação em que o tratamento dado é inferior aos padrões mínimos”, disse o responsável do ACNUR, Laurns Jolles.

O ACNUR denunciou ainda que no centro se mantêm 26 sírios e eritreus, incluindo alguns sobreviventes do naufrágio de Outubro. Com 367 imigrantes mortos, este acidente levou a uma onda de consternação e promessas de repensar vários aspectos da política europeia para os refugiados para que tragédias deste género não acontecessem.

Algumas destas alterações vão ser discutidas estas quinta e sexta-feira em Bruxelas. Entre as medidas a serem discutidas estão o facilitar de pedidos de asilo fora do território dos países, para tentar desmotivar as viagens perigosas até eles, ou o fortalecimento de acções de vigilância nas fronteiras e mais patrulhas de vigilância e salvamento no mar, com poder de, se interceptados os barcos antes da chegada a águas europeias, os mandar para trás.

Mas, segundo a agência Reuters, a abordagem de fortalecimento de fronteiras parece estar a ganhar terreno a uma de "partilha do fardo" entre os Estados-membros.
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar