Turquia recusa tornar-se num "campo de concentração" para refugiados

Primeiro-ministro diz que o "plano de acção" da União Europeia é um simples "projecto", mas diz-se disposto a colaborar. Chipre mantém-se contra reinício do processo de adesão da Turquia à UE.

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Na Turquia estão mais de dois milhões de refugiados sírios DIMITAR DILKOFF/AFP

O plano liderado pelo Governo da Alemanha para fazer da Turquia uma espécie de zona tampão, onde ficariam milhares de migrantes e refugiados que tentam entrar na União Europeia, está a ser dificultado pelas exigências do Governo turco e pela forte oposição de Chipre.

Esta segunda-feira, um dia depois da passagem por Istambul da chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro turco deu uma entrevista ao canal A Haber, onde deixou claro para que lado pende a balança na questão do fluxo de migrantes e refugiados, que tem dividido a Europa: "Não podemos aceitar um acordo com a seguinte base: 'Dêem-nos dinheiro e eles permanecerão na Turquia'. A Turquia não é um campo de concentração."

Esta polémica frase – que Ahmet Davutoglu garante ter dito pessoalmente a Merkel, no domingo – é mais uma indicação de que a Turquia percebeu que dificilmente haverá uma solução para os receios de parte da população europeia que não passe pelo seu país. E, por isso, aproveita para pressionar Bruxelas a aceitar todas as suas exigências, prevendo-se o aumento das divisões entre os vários países da União Europeia (UE).

Chipre, por exemplo, nem quer ouvir falar na chamada "redinamização" do processo de adesão da Turquia à UE como moeda de troca para uma futura parceria em relação aos migrantes e refugiados – uma ideia admitida no domingo pela chanceler alemã.

"Os motivos pelos quais as negociações foram congeladas não deixaram de existir. Tal como as coisas estão actualmente, não podemos dar o consentimento ao seu reinício", disse esta segunda-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros cipriota, Ioannis Kasoulides, afastando qualquer hipótese de levantar o veto do seu país.

As divergências entre a Turquia e Chipre são antigas – a ilha está dividida desde que a Turquia invadiu o Norte. Mas outros Estados-membros têm-se mostrado muito cépticos sempre que se discute a possível adesão à UE de um país maioritariamente muçulmano – em Agosto, a Eslováquia chegou a anunciar que estava disposta a receber refugiados, mas só se fossem cristãos, e a Bulgária disse temer que a chegada à Europa de mais muçulmanos "perturbe o equilíbrio étnico do país".

No "plano de acção" apresentado em Bruxelas na semana passada, a UE propõe adiantar uma tranche de 3000 milhões de euros à Turquia e acena com uma simplificação na obtenção de vistos pelos cidadãos turcos para entrarem nos países da UE. Em troca, aquela verba seria usada pela Turquia para lidar com a passagem e permanência de migrantes e refugiados pelo seu território – principalmente no reforço dos controlos de entrada e saída de pessoas que vêm da Síria, do Afeganistão ou do Iraque, e na construção de campos onde os migrantes que forem rejeitados na UE possam ficar.

"Aproveitámos a crise que estamos a enfrentar, devido a um movimento desordenado e não controlado de refugiados, para voltarmos a alcançar uma cooperação próxima, tanto entre a União Europeia e a Turquia, como entre a Alemanha e a Turquia", disse Angela Merkel no final da reunião com o primeiro-ministro turco.

Mas Ahmet Davutoglu não se mostrou tão optimista. Apesar de ter deixado claro que "a imigração ilegal deve ser controlada", e que vão ser "accionados mecanismos conjuntos", este esforço de aproximação enfrenta o cepticismo e até a oposição de alguns países europeus – e também a iminência das eleições legislativas na Turquia, marcadas para 1 de Novembro, com o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, do Presidente Recep Tayyip Erdogan, a não querer passar a ideia de que está a fazer demasiadas concessões.

A Turquia, que já acolhe cerca de 2,2 milhões de refugiados sírios, chamou ao "plano de acção" de Bruxelas um simples "projecto", e exige mais verbas do que as que foram prometidas na semana passada – até porque os 3000 milhões de euros de que se fala já iriam ser desbloqueados de qualquer forma, devido ao estatuto da Turquia de candidato à UE, disse Davutoglu.

"Os 3000 milhões de euros do Instrumento de Assistência de Pré-adesão não estão em cima da mesa, porque já dissemos que não vamos aceitar. Quanto a novos fundos, estamos a falar de 3000 milhões de euros numa primeira fase. Mas não queremos fixar um valor, porque as necessidades podem subir, e essa avaliação teria de ser revista anualmente", disse o primeiro-ministro turco.

Para já, o principal sinal de aproximação, depois da visita de Angela Merkel, diz respeito aos vistos: "Exigimos a abolição dos vistos Schengen e tivemos uma resposta positiva. Poderá ser uma realidade em Julho de 2016, mas as negociações prosseguem", concluiu Ahmet Davutoglu.

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