Turquia cede o mínimo e insiste que os EUA estão a armar curdos “terroristas”

Norte-americanos fazem primeira entrega de armas e munições aos combatentes que defendem a cidade síria de Kobani dos jihadistas.

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Turcos assistem aos combates em Kobani numa zona junto à fronteira Bulent Kilic/AFP

À Turquia tem-se pedido muito: que autorize a entrada na Síria de combatentes turcos curdos, que permita a passagem pelo seu território de armas para reforçar os curdos que combatem os fundamentalistas do Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque, e que deixe a coligação liderada pelos Estados Unidos usar as suas bases aéreas. Para Ankara, os riscos são altos – e daí todas as condições que tem colocado. O anúncio de que vai facilitar a entrada na Síria aos combatentes curdos iraquianos é um primeiro passo, mas também é uma forma de continuar a evitar entrar nesta guerra.

Os curdos que defendem Kobani, cidade síria junto à fronteira com a Turquia, cercada pelo EI por todos os lados menos por Norte, tiveram esta segunda-feira um dia de boas notícias. Primeiro, vieram os “27 fardos” largados por aviões de transporte C-130 norte-americanos: 21 toneladas de armas e munições fornecidas pelas autoridades do Curdistão iraquiano, incluindo armamento antitanques, dizem os curdos no terreno, que esperam novos carregamentos nos próximos dias.

O Presidente norte-americano, Barack Obama, telefonou ao primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, a avisá-lo desta operação, que não implicou a entrada no espaço aéreo turco. Horas depois, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu, anunciava que o seu Governo ia “ajudar os peshmerga [combatentes] a passar para Kobani”.

Mas nada disto muda o facto de Ancara ver o YPG (Unidades de Defesa do Povo), a milícia do Partido da União Democrática (PYD, sírio) que defende Kobani, como igual aos seus aliados do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, turco), que tanto a Turquia como os EUA e Bruxelas consideram um “grupo terrorista”, ou mesmo como igual ao EI.

“Nos últimos dias, começou a surgir a ideia de armar o PYD para combater o ISIL [outro acrónimo de EI]. “Para nós, PYD e PKK são o mesmo, uma organização terrorista”, disse Erdogan este fim-de-semana. “Seria errado esperar um ‘sim’ como resposta da nossa parte se um país amigo e aliado da NATO nos pede colaboração e admite apoiar uma organização terrorista.”

Entretanto, as autoridades turcas libertaram os últimos curdos sírios dos 250 detidos há duas semanas. O grupo, vindo de Kobani, era acusado de ligações ao PKK, o movimento com o qual Ancara iniciou negociações há dois anos, após um conflito com mais de 30 anos que já fez mais de 40 mil mortos.

“Deixem-me dizer claramente aos nossos aliados turcos que compreendemos os fundamentos da sua oposição e os nossos a qualquer tipo de grupo terrorista, e são particularmente óbvios os desafios que eles enfrentam com o PKK”, afirmou o secretário de Estado norte-americano, John Kerry. Mas os membros do EI “escolheram este campo de batalha [Kobani], atacando um pequeno grupo que, apesar de estarem ligados às pessoas a que os nossos amigos turcos se opõem, estão corajosamente a combater o ISIL”.

Se o PYD e o seu exército são próximos do PKK – e são, muito próximos –, a lógica dita que Washington também se oporia. Mas a Síria e a ameaça dos jihadistas pôs em causa muitas lógicas. Com esta operação de entrega de armas, os EUA admitem pela primeira vez estar a armar directamente o YPG.

UE pressiona Ancara
Não é de agora que a Turquia teme o PYD. Este partido controla desde há muito várias zonas da Síria conquistadas ao regime de Bashar al-Assad. No final do ano passado, anunciou a criação de um governo para três distritos. Esta ambição territorial (que Ancara usa para sustentar a comparação com o EI) é o que mais preocupa um país onde vivem 14 milhões de curdos, muitos dos quais já protestaram violentamente pela ausência de mais ajuda a Kobani, razão que levou também o PKK a ameaçar desistir das negociações de paz.

Permitir a entrada de combatentes curdos iraquianos – Ancara acabou por se render à existência de um Curdistão iraquiano e tem boas relações com os seus líderes – e libertar os sírios são formas de aliviar um pouco a pressão sem ceder em nada no que são as suas linhas vermelhas.

Para mais cooperação, Erdogan exige que o alvo se alargue do EI ao regime de Assad, que seja imposta uma zona de segurança na Síria junto à fronteira turca para os refugiados (a Turquia recebe pelo menos 1,5 milhões, incluindo quase 200 mil que fugiram de Kobani), a criação de uma zona de exclusão aérea no espaço sírio junto à Turquia para proteger os refugiados e os sírios que combatem Assad (Exército Livre da Síria) e que outros grupos da oposição (não ligados à Al-Qaeda nem ao EI) recebam treino e equipamento.

A pressão é que não vai parar. Já ao fim do dia, a União Europeia pediu a Ancara que “abra a sua fronteira para todos os reabastecimentos para a população de Kobani”. O comunicado, saído de uma reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros, não é claro, mas um diplomata ouvido pela AFP diz que o pedido se refere a bens de primeira necessidade, mas também a combatentes e armas.

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