Tsipras garante que o seu partido "não é um ogre", mas ainda assusta

O homem que fala já como primeiro-ministro apresenta-se como o percursor de um caminho para a Europa, e não um “Harry Potter”, como lhe chamou Evangelos Venizelos.

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Alexis Tsipras tem 40 anos, vive em união de facto e mora num bairro de classe média Miguel Manso

Alexis Tsipras passou as últimas a semanas aparecer, a conta-gotas, em artigos de opinião em jornais europeus, do alemão Handelsblatt ao Financial Times. Num destes artigos, no Huffington Post, dizia que o seu partido “não é um ogre”. Ao jornal de negócios alemão, garantia que um perdão da dívida grega não iria ser pago pelos contribuintes alemães. Mas, no comício de encerramento da campanha em Atenas, o momento alto foi uma versão da canção de Leonard Cohen subindo de decibéis para sublinhar o “then we take Berlin” junto de Pablo Iglésias, do espanhol Podemos.

O líder do Syriza de hoje não é o mesmo de 2012. Então, Tsipras prometia “rasgar o memorando” e não pagar a dívida grega, dizendo que as ameaças dos líderes europeus eram um bluff e que, se a Grécia entrasse em bancarrota, seriam os credores os primeiros prejudicados.

Hoje, diz que quer “um acordo aceitável para a Grécia e para a Europa”, que o que é importante é uma alternativa à política de austeridade, não só na Grécia mas também na Europa, e uma renegociação da dívida também de outros países com montantes insustentáveis. Ao Financial Times, garantiu que “a Grécia vai respeitar as suas obrigações, como membro da zona euro, para manter um orçamento equilibrado, e irá comprometer-se a objectivos quantitativos”.

Isto, claro, no papel. Do alto do palanque, as palavras saem mais inflamadas. “A humilhação nacional acaba amanhã”, disse no seu impressionante comício em Atenas, na quinta-feira. “O memorando acabou. A chantagem acabou. A subserviência acabou.”

Tsipras também escolheu outro alvo: a corrupção e os oligarcas que dominam a economia grega. Anunciou que, se vencer, irá juntar os organismos encarregados da supervisão das questões financeiras e empresariais numa entidade que responda directamente ao primeiro-ministro.

No programa eleitoral do Syriza estão promessas como voltar a ter um salário mínimo de 700 euros, voltar a contratar todos os funcionários públicos despedidos, reverter os cortes nas reformas e ajudar a milhares de gregos sem subsídio de desemprego ou electricidade. Promessas que lhe valeram a alcunha, dada pelo líder do Pasok Evangelos Venizelos, de ser como “Harry Potter”, por querer fazer “magia”.

O líder do Syriza mantém o ar jovem – tem agora 40 anos, pouco para os padrões gregos –, mas nos últimos anos ganhou confiança.

Se for eleito primeiro-ministro, será a primeira vez que um homem que não é casado ocupa este cargo num país socialmente conservador e religioso (basta ver como as pessoas se benzem à passagem de igrejas). Tsipras vive em união de facto com a namorada que conheceu quando ambos eram militantes da juventude comunista. Têm dois filhos e vivem num bairro de classe média de Atenas – mais uma vez, longe das zonas chiques das casas dos líderes políticos do país. Saindo de novo do padrão, não estudou em nenhuma universidade de renome na Grécia ou no estrangeiro, mas sim na universidade pública de Atenas (Engenharia).

Em 2006, Tsipras ficou em terceiro lugar na corrida para a Câmara de Atenas com 10% dos votos apesar de ser praticamente desconhecido. Pouco depois, foi eleito líder do Synaspismos, a principal facção do Syriza. Só em 2009 foi eleito deputado do Syriza, quando este obteve 4,6% dos votos.

Esta era a altura em que o Syriza era visto como o partido que incentivou protestos dos mais violentos em Atenas após a morte de um adolescente de 15 anos pela polícia numa manifestação no final de 2008. Para muitos gregos, o Syriza era uma força radical – e violenta.

Hoje, Tsipras apresenta-se como o líder não de um partido de protesto em que os gregos votam pela situação em que se encontram, mas sim do partido que oferece uma solução realista. Mais: apresenta-se como uma alternativa democrática para um país a desfazer-se e como o percursor de um caminho alternativo para a Europa ameaçada pela subida da extrema-direita, por um lado, e dos eurocépticos, por outro.

Mas apesar de todas as diferenças face ao político convencional, há quem tema que Tsipras abandone todas as promessas mal entre no Governo, tal como fizeram os seus antecessores. Por outro lado, há ainda quem tema que as mantenha de tal modo que entre em rota de colisão com a troika. De cada vez que alguém lhe pergunta, ele garante o que muitos acham impossível: que conseguirá cumprir o que prometeu sem pôr em causa o lugar na Grécia na União Europeia.

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