Tribunais unem-se contra o Governo polaco

Aprofunda-se a guerra aberta entre o Governo nacionalista e o poder judicial, com o país a viver uma situação de paralisia constitucional.

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Protesto em Março, frente ao Palácio Presidencial em Varsóvia, contra a reforma do Tribunal Constitucional Janek Skarzynski / AFP

O Governo polaco continua a defender a ilegalidade do Tribunal Constitucional por ter rejeitado as reformas ao seu próprio funcionamento. Do Supremo às pequenas instâncias, o poder judicial está a desafiar a autoridade do Executivo, deixando a Europa alarmada.

Tudo começou quando o Parlamento, controlado desde Outubro pelo partido Lei e Justiça (PiS, conservador e nacionalista), aprovou uma lei de reforma ao funcionamento do Tribunal Constitucional. A oposição viu no pacote legislativo uma forma de o Governo conseguir exercer um controlo apertado sobre a conduta daquela instância.

De acordo com a nova lei, o número de juízes aumenta de nove para 15 e passa a ser necessária uma maioria de dois terços para se chegar a um veredicto. Foi o próprio Tribunal Constitucional a travar a legislação, ao considerá-la inconstitucional, no início de Março.

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Na mesma altura, a Comissão de Veneza, um painel de especialistas do Conselho da Europa, publicou um relatório em que condena a reforma proposta pelo Governo, que diz colocar em perigo “não só o Estado de direito, mas também o funcionamento do sistema democrático”.

O Governo liderado por Beata Szydlo manteve-se impassível perante todas as críticas e continua a insistir nas suas reformas. A decisão do Constitucional foi ignorada – o Executivo considera que o veredicto é irregular, uma vez que o tribunal deliberou à luz do funcionamento antigo – e o relatório da Comissão de Veneza foi criticado.

Como retaliação, as decisões do Tribunal Constitucional deixaram, desde então, de ser publicadas pela primeira-ministra. O Parlamento Europeu adoptou uma resolução a 13 de Abril em que avisa que a “paralisia efectiva” daquele tribunal põe em causa “a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito”, e apela à publicação das suas decisões.

Tribunais rebeldes

Nesta terça-feira, o Supremo Tribunal declarou que as decisões do Tribunal Constitucional são válidas, mesmo se não forem publicadas oficialmente, e que todos os poderes as devem respeitar. O veredicto vem apenas sancionar aquilo que já acontecia em vários tribunais de diferentes instâncias por todo o país, que não esperaram pelo Supremo e seguiram as resoluções do Constitucional.

Beata Szydlo disse estar “surpreendida” com a posição do Supremo e manteve o tom de desafio. “Tenho a impressão que as coisas vão muito mal quando os juízes se envolvem na luta política”, afirmou, citada pela imprensa local. O vice-ministro da Justiça, Patryk Jaki, falou em “rebelião de juristas snobs” e denunciou a “pressão exercida sobre os juízes simples” das instâncias inferiores.

Da oposição vieram aplausos para a mobilização dos tribunais. “Estou contente por a voz do terceiro poder na Polónia, o judiciário, ser uniforme e universal, pois nada fortalece mais o sentido de respeito pela lei do que quando os juízes falam a uma só voz”, afirmou o ex-ministro da Justiça da Plataforma Cívica, Boris Budka.

De acordo com a AFP, para além dos tribunais, os conselhos municipais de várias cidades, entre as quais a capital Varsóvia, Lodz ou Poznan, decidiram adoptar as decisões do Tribunal Constitucional. Há quem receie a emergência de uma “ordem legal alternativa”. “O Tribunal Constitucional irá adoptar uma decisão; ela não será reconhecida nem pelo Governo nem pelos serviços que vão tomar as suas decisões segundo uma ordem legal alternativa”, disse o ex-primeiro-ministro Wlodzimierz Cimoszewicz.

Um dia depois da deliberação do Supremo, foi a vez do principal tribunal administrativo apelar igualmente ao Governo para que publique os veredictos do Constitucional sem “atrasos indevidos”, a fim de se tornarem legalmente vinculativos.

Um abaixo-assinado promovido pelo partido liberal Nowoczesna reuniu mais de cem mil signatários, que podem a publicação das decisões do Tribunal Constitucional pelo Governo. “Toda a ordem legal começa a dividir-se entre aquilo que representam os tribunais e o Tribunal Constitucional, e o estado de não-direito representado pelo poder executivo nas mãos do PiS”, afirmou a deputada Katarzyna Lubnauer.

 

 

 

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