Na grande cidade síria de Alepo, os civis não têm onde se esconder

As principais orações da semana para os muçulmanos foram canceladas, a primeira vez que tal acontece em cinco anos de guerra em qualquer zona do país. Regime de Assad prepara-se para lançar a “guerra das guerras”.

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Um bairro de Alepo, al-Fardous, debaixo de bombardeamento AMEER ALHALBI/AFP
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Al-Fardous, Alepo Abdalrhman Ismail/Reuters
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Várias mesquitas e uma clínica foram os alvos dos bombardeamentos do dia na grande cidade do Norte da Síria, Alepo, que o regime se prepara para tentar tomar. Pouco mais de um dia depois dos raides num hospital que mataram pelo menos 27 civis, incluindo crianças e médicos (um deles o último pediatra da cidade), outra clínica ficou completamente destruída, num novo ataque atribuído às forças de Bashar al-Assad. Já uma das mesquitas atingidas situa-se num bairro controlado pelo Governo e foi atacada por rebeldes.

A “cessação de hostilidades” acordada em Fevereiro já só existe no papel, depois da violência dos últimos dias, descrita pela ONU como “uma indiferença monstruosa de todas as partes” para com as vidas dos civis.

Apesar disso, Damasco e os seus aliados russos anunciaram um novo “regime de calma” a entrar em vigor ao início da madrugada de sábado nos arredores a leste de Damasco e na cidade portuária de Latakia. De acordo com o Exército de Assad, os combates vão parar durante 24 horas em Ghuta e três dias em Latakia, no que será a derradeira tentativa para salvar a trégua.

Nem uma palavra sobre Alepo, onde os civis não têm onde se esconder e as principais orações da semana para os muçulmanos foram canceladas esta sexta-feira, a primeira vez que tal acontece em cinco anos de guerra em qualquer zona do país. O apelo à suspensão das orações do meio-dia foi feito pelo Conselho Religioso de Alepo: “O coração dos fiéis está em sofrimento, mas preservar vidas é uma obrigação religiosa importante.”

Mais de 200 pessoas morreram nos bombardeamentos desta semana em Alepo, pelo menos 123 em bairros controlados por grupos rebeldes da oposição a Assad, quase todos cercados por forças do regime.

“Onde quer que se esteja ouvem-se explosões e disparos, e há aviões a sobrevoar”, descreve Valter Gros, que dirige o gabinete da Cruz Vermelha Internacional em Alepo. “Não há nenhum bairro da cidade que não tenha sido atingido. As pessoas estão a viver no limite. Toda a gente teme pela vida e ninguém sabe o que vai acontecer a seguir. As Nações Unidas falam numa “deterioração catastrófica” da situação humanitária na cidade, dividida desde o Verão de 2012 em bairros controlados pelo regime e pela oposição.

Foi uma ofensiva do regime e da Rússia em Alepo que atrasou as negociações e o início das tréguas. Na altura, especulava-se que Assad só ia negociar depois de tomar a cidade; quereria uma grande vitória para dobrar a oposição. Não foi até ao fim, mas obrigou dezenas de milhares de civis a fugir para junto da fronteira com a Turquia, onde nasceram novos campos de refugiados, e deixou os habitantes que restavam sem abastecimento eléctrico e quase sem comida, cuidados médicos ou água. Agora, avança de novo no terreno para fragilizar ainda mais uma oposição já muito vulnerável.

Escalada letal

A ONU teme que o cessar-fogo – nunca foi totalmente cumprido, mas permitiu a ilusão de normalidade a gente que vivia debaixo de fogo contante há meses ou anos – esteja em risco. “A violência está a crescer para os níveis que detectámos antes da cessação de hostilidades. Há sinais profundamente perturbadores de ampliação militar, indicando preparações para uma escalada letal”, avisa o responsável pelos Direitos Humanos da organização, Zeid Ra’ad al-Hussein.

Oficialmente, o regime não dá pormenores sobre a ofensiva em Alepo, mas o jornal pró-governo Al-Watan escreve que a “batalha decisiva” vai começar dentro de dias. Noutro jornal pró-Damasco, Al-Thawra, o comentador Nasser Qandil avisa os rebeldes na cidade que “a guerra das guerras” vai chegar nas próximas semanas.

“O cessar-fogo e as conversações de Genebra são a única hipótese disponível; se forem abandonadas agora, nem quero pensar quanto mais horror vamos assistir na Síria”, diz Zeid. Na quarta-feira, os grupos da oposição abandonaram uma nova ronda de conversações depois do anúncio por parte do regime que prepara com a Rússia uma nova grande ofensiva para reconquistar Alepo. Em cima da mesa estava a discussão de uma futura transição política.

“Estas negociações não têm vida própria, elas dependem do que se passa no terreno e ainda mais da influência russa e norte-americana”, admitiu em Genebra Bassma Kodmani, membro do Alto Grupo de Negociações, que junta grupos da oposição e rebeldes apoiados por países ocidentais, a Arábia Saudita, a Turquia e o Qatar.

“Como é que podemos ter discussões com resultados se só ouvimos falar de bombardeamentos e destruição?”, lamentava-se por seu turno o mediador da ONU para a Síria, Staffan de Mistura. O diplomata apelou aos EUA e à Rússia para salvarem um cessar-fogo que, em teoria, ainda existe. Segundo Mistura, nas 48 horas que antecederam a última e mais uma vez fracassada ronda de negociações registou-se “um morto sírio a cada 25 minutos”. De acordo com as contas da ONU, a violência já matou 400 mil pessoas na Síria.

 

 

 

 

 

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