Sequência de atentados mortíferos abala Turquia e dá trunfos a Erdogan

Foram visados alvos da polícia, militares e o consulado dos EUA em Istambul. Mas a posição do partido do Presidente Erdogan sai reforçada na opinião pública.

A explosão fez dez feridos, entre os quais três polícias e sete civis
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A explosão fez dez feridos, entre os quais três polícias e sete civis OZAN KOSE/AFP
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A polícia selou a zona do consulado OZAN KOSE/AFP

A Turquia voltou a despertar, esta segunda-feira, com explosões e tiros, numa série de ataques que fizeram pelo menos dez mortos em diferentes pontos do país e consolidaram a ideia de uma derrapagem na segurança nacional após o fim da trégua com a minoria curda, e do regresso inevitável do conflito sectário, depois de Ancara ter anunciado a sua nova estratégia de “guerra sincronizada” contra o terrorismo do Estado Islâmico e a ameaça dos militantes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK. Mas, eleitoralmente, esta estratégia está a ser benéfica para o Governo.

A cidade de Istambul foi palco de dois ataques separados e aparentemente sem ligação entre si: o primeiro contra as forças de segurança através da explosão de um carro armadilhado estacionado junto à esquadra de polícia do subúrbio de Sultanbeyli, no lado asiático; e horas depois um assalto sobre o complexo diplomático dos Estados Unidos, na parte europeia.

A violência estendeu-se ainda ao Sudeste do país. Em Silopi, junto à porosa fronteira com o Iraque, quatro polícias morreram na explosão de um engenho de fabrico artesanal colocado na estrada. Na mesma província de Sirnak, um soldado turco foi vítima de tiros disparados contra um helicóptero militar, alegadamente por combatentes curdos.

A investida contra o consulado dos EUA em Istambul, reivindicada pela Frente Armada Revolucionária de Libertação Popular (um grupo de extrema-esquerda classificado como uma organização terrorista pela Turquia, a União Europeia e Washington) ocorreu um dia depois de o Pentágono ter confirmado a mobilização de seis aviões F-16, e 300 soldados, para a base aérea de Inçirlik, no Sul do país, para participar nas missões aéreas contra alvos do Estado Islâmico no Iraque e na Síria.

O assalto contra o “arqui-inimigo dos povos do Médio Oriente e do mundo”, segundo a nota de autoria do grupo revolucionário, foi protagonizado por duas mulheres armadas com metralhadoras: ambas foram atingidas a tiro pela segurança do consulado. Segundo a agência noticiosa Dogan, uma delas foi seguida e detida minutos depois do assalto. Foi identificada como uma antiga combatente da Frente Armada de Libertação Popular de 51 anos, com uma anterior condenação por associação ao terrorismo.

Quanto aos ataques à esquadra de Sultanbeyli e na província de Sirnak, a responsabilidade está a ser atribuída a “militantes” vindos do Norte do Iraque – uma referência que não especifica se se tratam de jihadistas se de militantes curdos. Uma troca de tiros entre os agentes da polícia que “processavam” o local da explosão em Istambul e um grupo de atacantes resultou na morte de um polícia e de dois militantes, que não foram identificados.

Ganhos eleitorais
A espiral de violência das últimas três semanas – mais de 390 militantes do PKK mortos em raides aéreos da Turquia, e 26 agentes turcos vítimas de ataques curdos, segundo a contabilidade do Middle East Monitor a partir de dados da agência Anatolia – estará a beneficiar politicamente o Partido Justiça e Desenvolvimento (ou AKP, na sigla turca) do Presidente Recep Tayyip Erdogan, e as suas aspirações de reforço de poder, depois do “desaire” de Junho, em que não conseguiram assegurar uma maioria absoluta pela primeira vez em mais de uma década.

Uma sondagem do instituto MAK publicada esta segunda-feira mostra que, na eventualidade de serem convocadas eleições intercalares a breve prazo, o AKP receberia 44,7% dos votos, uma diferença de quase quatro pontos face ao último resultado que seria suficiente para garantir uma bancada maioritária e dar respaldo a um Governo em nome próprio. Muitos dos críticos de Erdogan e vários analistas políticos consideram que esse é precisamente o objectivo da mudança de estratégia de segurança anunciada há um mês, em resposta ao ataque terrorista de Suruç, que matou 32 activistas curdos – na mesma altura em que se constatou o impasse nas negociações para a formação do Governo.

O primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, e o líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu, do Partido Republicano do Povo (CHP), tinham uma reunião esta segunda-feira, numa tentativa para reatar as conversas para uma coligação de Governo. O AKP tem até 23 de Agosto para apresentar ao Presidente uma equipa governativa: após esse prazo, Erdogan poderá convocar novas eleições.

Horas antes do encontro, Davutoglu fez saber através do Twitter que mais importante do que discutir o acordo do Governo era que os diversos líderes políticos tomassem “uma posição comum em defesa da ordem pública e da democracia” perante a espiral de violência. Kilicdaroglu, que já expôs as condições do seu partido para aceitar uma coligação (um caderno de encargos com 14 pontos), respondeu também pelo Twitter. “Os políticos que pedem votos com promessas de soluções para os problemas da população devem imediatamente negociar uma solução para o grave problema do terrorismo, que é o mais sério do país”, reagiu o líder da oposição.

Segundo a mesma sondagem, o crescimento do AKP resulta da deterioração do apoio aos secularistas pró-curdos do Partido Democrático do Povo (HDP), cuja parcela do voto cairia de 13% para 10,7%, em caso de eleições antecipadas – enquanto as percentagens obtidas pelo CHP e pelo movimento de extrema-direita MHP se mantêm inalteradas face a Junho.

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