Tiros de artilharia matam civis em hospital de Donetsk

Chefe da diplomacia europeia pede uma trégua "imediata" para permitir retirada de civis encurralados por combates no Leste da Ucrânia.

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As janelas do hospital foram estilhaçadas pela explosão /Maxim Sergeev/Reuters

Um hospital localizado no coração de uma área residencial em Donetsk, no Leste da Ucrânia, foi alvo de um bombardeamento ao fim da manhã desta quarta-feira. Os disparos de artilharia mataram pelo menos quatro civis e feriram mais de uma dezena, num cenário cada vez mais frequente na sangrenta guerra que opõe o Exército ucraniano aos rebeldes pró-russos pelo controlo das províncias de Donetsk e Lugansk, na fronteira com a Rússia.

As imagens das crateras no terreno que dão acesso ao hospital e o impacto das explosões e dos estilhaços na fachada há muito que deixaram de ser uma novidade nesta zona da Europa, mas os corpos de civis espalhados pelo chão e cobertos com lençóis são uma marca bem visível do que está em causa por estes dias no Leste da Ucrânia – uma tragédia humanitária que não poupa ninguém, alimentada pelas duas partes em confronto.

"O impacto atirou-o contra parede. Os estilhaços mataram-no." Para o resto do mundo, continuará sem nome, apenas uma vida entre as mais de 5000 que a guerra no Leste da Ucrânia já ceifou desde Abril do ano passado. O relato dos seus últimos momentos são feitos pelo pai, um mineiro de 62 anos que levara o filho ao hospital para fazer exames médicos. "Quando me aproximei, ele ainda respirava um pouco", disse o homem à agência AFP.

A mãe, desesperada, perguntava porque não a tinham matado a ela. "Não acredito, não acredito."

A algumas centenas de metros, um outro corpo, coberto com um lençol, à entrada de um edifício de apartamentos. "Não havia água em casa, ele saiu para comprar água. Era o meu pai. O meu pai era terrorista?"

A autoria do bombardeamento contra o hospital n.º 27 de Donetsk ainda não foi investigada por nenhuma organização independente, mas a cidade está sob controlo dos rebeldes pró-russos.

Em Kiev, a responsabilidade foi atribuída aos rebeldes, num comunicado publicado no site da Procuradoria-Geral da República: "De acordo com informações preliminares, foram mortas entre quatro e dez pessoas. Mais uma vez, os terroristas usaram armas contra a população civil da região de Donetsk."

O outro lado devolveu a acusação.

"As forças ucranianas dispararam um míssil Uragan", disse ao jornal britânico The Guardian um combatente. Andrei Purgin, porta-voz da autoproclamada República Popular de Donetsk, também apontou o dedo ao Exército da Ucrânia e apelou a uma investigação independente: "Os observadores da OSCE deviam investigar o local, para determinarem a direcção e o local de onde partiu o ataque, e revelar as suas conclusões."

Abusos de ambos os lados
Depois de um período de relativa calma, entre Outubro e Dezembro do ano passado, os ataques de ambos os lados contra áreas habitadas por civis fizeram pelo menos 341 mortos, incluindo 71 mulheres e seis crianças, durante o primeiro mês deste ano, de acordo com os números da organização Human Rights Watch.

Outra organização, a Amnistia Internacional, anunciou esta semana que recolheu "provas arrepiantes de mortes de civis e outras baixas infligidas por ambas as partes no conflito sangrento nas cidades de Donetsk e Debaltseve nos últimos dias".

"As provas revelam o horror do derramamento de sangue sofrido por civis, que estão a ser mortos e feridos porque ambos os lados estão a disparar rockets não direccionados contra zonas povoadas. Estes ataques constituem uma violação da lei internacional e podem ser equiparados a crimes de guerra", disse John Dalhuisen, director da Amnistia Internacional para a Europa e a Ásia Central.

Também a Human Rights Watch acusa os dois lados de "colocarem civis em perigo desnecessariamente, ao instalarem alvos militares e usarem armamento com efeitos dispersivos em áreas povoadas, incluindo nas proximidades de escolas, em violação da lei internacional".

Os combates mais ferozes concentram-se na área de Donetsk, controlada pelos rebeldes pró-russos, mas principalmente em Debaltseve, 70 quilómetros a Nordeste, uma cidade ainda controlada pelas forças ucranianas mas que poderá cair a qualquer momento – nesta quarta-feira, a agência Reuters avançou que os rebeldes já terão tomado a cidade de Vuhlehirsk, um importante ponto para completar o cerco a Debaltseve.

Devido à gravidade dos combates dos últimos dias, a alta comissária da União Europeia para a Política Externa, Federica Mogherini, apelou a um cessar-fogo durante três dias para permitir a saída de todos os civis de Debaltseve – em poucos dias, a cidade de 25.000 habitantes ficou reduzida a apenas 7.000, segundo os números da Amnistia Internacional. O apelo para um cessar-fogo de três dias já tinha sido feito na terça-feira por Ivica Dacic, actual presidente da OSCE e ministro dos Negócios Estrangeiros da Sérvia.

Sem electricidade, com pouca água e comida, e já sem salários e pensões, os habitantes de Debaltseve que ficaram para trás estão encurralados. Num abrigo subterrâneo improvisado, um grupo de idosos explica a um repórter do site norte-americano Vice News o que tem sido viver em Debaltseve nas últimas semanas: "É claro que nunca pensámos que isto seria possível. Estamos no século XXI. Vamos dormir, e quando acordamos parece que estamos a sonhar."

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