Tensão e frustração aumentam com a demora da ajuda humanitária

Todos se queixam do mesmo: as comunidades devastadas pelo super tufão Haiyan e as equipas de emergência mobilizadas para a região desesperam com as dificuldades de acesso. ONU apela à generosidade dos doadores internacionais para a resposta à tragédia.

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Além da falta de água, alimentos, roupa, abrigo, cuidados médicos ou transportes, os milhares de habitantes das ilhas da região central das Filipinas que foram desalojados pelo super tufão Haiyan ainda tinham ontem que lidar com um novo desafio: a chuva torrencial da tempestade Zoraida, cuja trajectória seguia quase exactamente o mesmo percurso no centro e sul do arquipélago.

Milhares de pessoas – esfomeadas, desidratadas, exaustas, desesperadas, furiosas – ainda esperavam que a ajuda prometida se materializasse, em Tacloban, a capital da província de Leyte, e também em Baco, Bailey ou Guinian, nas ilhas vizinhas de Cebu e Samar.

Cinco dias depois do furação que bateu recordes, o pessoal de emergência enviado por organizações como os Médicos Sem fronteiras ou ainda esperam em Manila pela luz verde para descolar para a região. O aeroporto de Tacloban, por exemplo, só estava aberto para voos militares – e aviões de carga C-130 têm estado a aterrar, mas a conta-gotas. Descarregam contentores de mantimentos e transportam refugiados para a capital Manila, a cerca de 600 quilómetros.

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Agora, a aproximação de mais uma tempestade não só põe esse movimento limitado em risco, como inviabiliza as missões dos helicópteros que têm vindo a despejar (literalmente) do ar caixotes com água e comida para suster as populações das áreas isoladas, sobretudo as zonas costeiras. “Imagine um gigante que esmaga com o pé uma aldeia inteira. O cenário é esse, está tudo desfeito”, descrevia Sandra Bulling, da Care International, ao Financial Times.

Filas compactas de residentes sem casa serpenteiam pelas imediações do aeroporto de Tacloban: aqueles que não conseguem aceder aos cabazes distribuídos logo à porta do edifício, não se ensaiam para assaltar os camiões que dali partem para entregar mantimentos na cidade. Nas localidades, os soldados e agentes da polícia vêem-se impotentes para travar as pilhagens, dirigir o trânsito, procurar os 600 presos que fugiram da cadeia local e impor a ordem de recolher obrigatório entre as 22h00 e as 6h00 em vigor desde segunda-feira.

Alguns comerciantes e grupos de vizinhos organizaram-se em grupos de vigilantes: tal como as autoridades, não reagem se alguém rouba comida ou procura um tecto; mas já houve violência contra o saque de electrodomésticos ou mobiliário.

Em Manila, a vice-secretária geral para as questões humanitárias e auxílio de emergência da das Nações Unidas, Valerie Amos, admitia que “é preciso fazer muito mais” para garantir que a ajuda já disponível chega às comunidades que necessitam dela, e exprimia a sua frustração com “as dificuldades de acesso” que têm impedido as equipas de emergência de fazer o seu trabalho. “As coisas ficarão mais fáceis quando ultrapassarmos esses obstáculos”, esperava.

ONU pede 225 milhões de euros
A ONU, que já libertou 25 milhões de dólares para o envio imediato de material essencial para a sobrevivência, fez ontem um apelo à generosidade dos doadores mundiais, anunciando a criação de um fundo para responder à tragédia nas Filipinas: segundo os seus cálculos, serão precisos pelo menos 225 milhões de euros para a “alimentação, saúde, saneamento, abrigo, limpeza e protecção dos mais vulneráveis”. A Accord, uma organização filipina de ajuda, estimou que a recuperação das áreas impactadas pelo tufão demore cerca de dois anos.

“Ninguém ficará sem ajuda, por mais difícil que seja, por mais isolado que esteja: não deixaremos ninguém para trás, nem uma única pessoa”, prometia o porta-voz da presidência, Edwin Lacierda, em declarações à Associated Press.

Uma moradora de Tacloban apontava para os últimos apelos escritos em letras garrafais nos muros ou fachadas que ainda estavam de pé ou no alcatrão da pista do aeroporto: às câmaras da Reuters, explicava que a população quer que as equipas de emergência recolham os cadáveres em decomposição debaixo dos escombros e nas bermas das estradas. “Há três dias que esperamos que venham resgatar os corpos. Porque é que não vêm? O cheiro é insuportável”, dizia.

“Temos cadáveres na água, cadáveres nas pontes, cadáveres nas ruas”, reconheceu o director da Cruz Vermelha das Filipinas, Richard Gordon. Mas com tantos problemas para resolver, a prioridade são aqueles que estão vivos, explicou. “Numa situação de desastre, não faz sentido desviar recursos. Não vamos deixar de tratar os vivos para enterrar os mortos”, acrescentou, garantindo que no cenário actual em Tacloban, o risco dos cadáveres para a saúde pública é “negligenciável”.

A missão das equipas forenses é complicada, sobretudo em termos logísticos. Não há condições para a conservação dos corpos, que estão a ser embrulhados em sacos e não há registos (impressões digitais, fichas dentárias ou DNA) que permitam identificar as vítimas. No aeroporto, Maria Adelfa Jomerez, de 58 anos, disse à AFP que deixou os corpos do filho e da nora para trás, numa casa mortuária, e do neto, “num plástico em frente ao hotel onde estão a recolher os cadáveres”. “Preferia que não fossem enterrados numa vala comum, mas não há caixões, não há ninguém para os levar para o cemitério. Não há nada a fazer”, concluía.

"Exagero" nas vítimas?
Numa entrevista com a CNN, o Presidente das Filipinas, Benigno Aquino, disse ontem que estimativas até agora repetidas sobre o possível número de vítimas da tempestade “podem ter sido exageradas” dado o “trauma emocional” e que o total de fatalidades pode “ficar substancialmente abaixo das dez mil”. “A estimativa que tenho agora anda à volta de 2000, 2500 [vítimas], mas não é definitiva. Ainda estamos a tentar contactar com 29 municípios, estabelecer quantas mortes estão confirmadas, qual é o número de desaparecidos”, observou.

Até ao momento, foram oficialmente confirmados 1774 óbitos. No entanto, as equipas da ONU continuavam a apontar para o número de dez mil mortos – avançado, aliás, pelo Exército filipino – como o mais aproximado da realidade. Mais de 2500 pessoas foram tratadas a ferimentos diversos – um hospital da campanha improvisado no aeroporto de Tacloban garantia suturas em cortes e lacerações, mas não podia fazer. “Não temos meios, faltam compressas, vacinas, medicamentos”, enumerava um dos médicos.

Segundo as autoridades, 800 mil pessoas estão desalojadas e mais de dois milhões estão dependentes de ajuda alimentar (toda a produção de arroz, que sustenta a economia local, está perdida). O tufão atingiu 41 das 80 províncias do país: 30 ficaram sem abastecimento eléctrico e 15 permaneciam ontem em silêncio, sem telecomunicações. O Departamento de Energia das Filipinas disse que o restabelecimento do serviço em várias das ilhas afectadas poderia demorar seis meses.

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