Tempo para reflectir sobre o bem e o mal

Este foi um annus horribilis para todos os que se preocupam profundamente com a União Europeia e pretendem proteger, reforçar e divulgar os nossos valores.

O Verão fornece-nos um breve intervalo para repouso e reflexão. Este foi um annus horribilis para todos os que se preocupam profundamente com a União Europeia e pretendem proteger, reforçar e divulgar os nossos valores. O segundo semestre de 2016 pode ser de pouco alívio em relação às actuais preocupações.

O resultado do Brexit foi um sinal de alarme mas, nos próximos meses, haverá outros dois referendos, na Hungria e em Itália. A crise de confiança poderá aprofundar-se.

Embora nenhum destes referendos seja de natureza tão radical como o proposto ao eleitorado britânico, os mesmos abordarão questões que são, actualmente, de referência óbvia: a imigração e a economia. E, tal como o podem atestar agora os políticos do Reino Unido, ambos podem ter consequências imprevistas.

Sou optimista por natureza e convicção. Nos nossos dias, o optimismo corre o risco de perder terreno em relação ao medo. E o medo, que apenas confunde o nosso discernimento, nunca será uma boa fundação sobre a qual se possa construir uma política. Pior ainda, faz-nos esquecer os motivos que temos para estarmos orgulhosos: em muitos aspectos, somos admirados por todo o mundo. Gostava que este sentimento fosse mais amplamente expresso e valorizado.

Pensemos nas razões pelas quais há tantas pessoas que querem vir para a União Europeia. Será verdadeiramente uma surpresa que a sociedade próspera e aberta que construímos seja um farol de civilização para os muitos que tantos sacrifícios fazem para alcançar as nossas costas?

Sabemos que o que construímos não é perfeito e temos direito à autocrítica. Mas também me reúno, por vezes, com os meus colegas de outras regiões do mundo que estão também a envidar esforços de integração regional e ouço a sua admiração relativamente ao que já foi alcançado por nós. Nestes momentos, considero que estamos numa viagem de longo curso, com sobressaltos inevitáveis, mas confirmo que estamos na direcção certa.

Temos de estar atentos aos negociantes perniciosos de embustes, meias-verdades e puras mentiras. Não é descabido recorrer a uma perspectiva histórica. A integração económica nos últimos 25 anos permitiu níveis sem precedentes de riqueza para os nossos cidadãos, com fluxos comerciais e de capitais que são inigualáveis na história da Economia. Os novos Estados-Membros do leste — de onde vos escrevo — foram transformados.

Estes são os factos no terreno. Uma panorâmica do Verão de 2016 não consegue captar a realidade aparentemente elusiva. Somos assaltados por dúvidas e receios que constituem uma resposta normal a mudanças radicais e inesperadas. Vivemos num mundo em que o ritmo da mudança está a acelerar e em que mil milhões de pessoas foram resgatadas de situações de pobreza em duas décadas mas também no qual a nossa crescente interligação e interdependência conduz a uma maior fragilidade. Estamos mais sensíveis aos choques, sejam eles económicos, naturais ou motivados pelo extremismo violento.

A Europa foi vítima de crises sucessivas durante um período relativamente curto mas a solução não será encontrada retrocedendo no sentido da xenofobia e do eurocepticismo. O que nos fez fortes e nos fez ganhar o galardão de «estilo de vida de superpotência» do Banco Mundial foi a construção do nosso modelo económico e social.

Seria tão errado como também destrutivo virar agora as costas aos pilares do nosso «milagre» europeu: o alargamento económico e político combinado com responsabilidade empresarial e social, a inclusão e a solidariedade.

Temos de admitir que o período de status quo chegou ao fim. Temos de ser capazes de responder às legítimas preocupações dos cidadãos em matéria de imigração. Creio que estamos já neste caminho com uma forte tónica indispensável na garantia da segurança das nossas fronteiras, na abolição do tráfico ilegal de seres humanos e assegurando abrigo aos verdadeiros refugiados que fogem à perseguição.

Mas podemos e devemos fazer ainda mais para restabelecer a confiança e a nossa unidade. Vamos fazê-lo garantindo a segurança que os nossos cidadãos merecem, protegendo simultaneamente o nosso espírito generoso e aberto ao mundo e, em especial, os que se encontram em verdadeiro perigo.

Poderemos enfrentar os múltiplos desafios que se nos colocam. Temos de banir as crescentes dúvidas trabalhando com mais empenho e com pragmatismo para resolver os problemas. Temos de nos lembrar de como somos forte quando nos mantemos unidos.

O Verão é também uma oportunidade, pelo menos para mim, para outras leituras que não os documentos oficiais da Comissão Europeia. Recomendo-vos o conto sobre a vida siciliana intitulado O Leopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Não apenas por ser uma obra-prima da literatura do século XX mas também porque continua a ser tão clarividente como sempre foi devido ao seu conselho: «Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.»

Vice-Presidente da Comissão Europeia responsável pelo Orçamento e Recursos Humanos

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